SE QUERES ACARAR-ME
Não busques em mim melodiosas sonatas, não encontrarás. Ao contrário, cortam-me sons mediúnicos, lacônicos, abalados. Sinfonias inacabadas, executadas às metades. Identificarás vozes escandalosas de alcance errático, latente, indecente, retumbantes ecos barítono-hipnóticos, soprano-fatídicos... Se queres acarar-me, educa-te para ouvir-me. Escuta-me como a um deserto. Encontrar-me-ás em uivos quentes e lascivos nascidos das minhas arenais tempestades. Tua visão terá de acostumar-se à contínua observação do nada. Miragens ilusórias, cactos pontiagudos, passeios de lagartos mudos, paisagens transitórias. Sei o que anseias em tua vida invernada, então vem! Queima-te nestas zonas áridas. Atende às vibrações eremitas das harmonias destas secas cordas solitárias. Depois, não reclames. Protege-te do sol, cobre o rosto, os olhos. Nunca mais enquanto aqui tapes teus ouvidos. Deixa que sejam teus estes ruídos escabrosos, roucos, profundos e apenas ama sem quaisquer condições esses assurdinados sons meus.
(Gê Muniz)