Trocando a pele
Tenho andado assim, meio caolho na mente, meio esfolado nas gastanças do pensar. De viver criando corpo só pra mostrar pra passante já fiz muito, vendendo cara que não era de minha alma, lustrando o couro que o outro queria ver de mim. Nunca buli com os bolsos em plena luz do dia pra mostrar o miserere das escarradas patacas por achar que iam fazer pouco de um que não dorme escorregado no amarelo dos ouros. Mas agora que o caolho da mente já dito acima, já esfolou esse pensar de fora, pra fora me entojei. Deixei passar que nem se vê um passarinho voando meu amor. Pois é, deixei por não contar das minhas gibeiras fracas, com renda tísica que não ia dar nem pra suas águas de cheiro. Não tive a decência de mim mesmo de me deixar ver, mas deixando que pensasse que fora falta do amor no peito, que fora engodo. Maldita segunda cara que não deixou respirar a primeira, maldito meu mesmo eu. Ela se foi, me ficou a lição. Agora ando alisando meus lençóis de pura água franca. Não me dói se te dói quando falo no talo, melhor a dor em ti do que em mim. E todas as vezes que tu voas na minha saudosa lembrança, meu doce passarinho, te saúdo conjugando a verdade. Bons vôos te conduzam!