Trevas e Luz
Sinto, sem saber ou querer, o silêncio das almas nas ruas, nas salas, no seio de tudo. Sinto o silêncio crescer e se transformar num sussurro suave e constante. O sussurro é como um suspiro suspenso no ar. Sei que há vontades fortes, desejos suspeitos, súbita e sincera ânsia de viver nos seres. Há também sensações sem sentido, que conspiram contra a essência do ser, que tentam sobreviver contra a insipidez da existência. Há um clamor surdo das almas, que suspeitam do corpo onde vivem, que suspeitam das mentes que as analisam. Sentem, mas não querem que saibam o que sentem. É um segredo que não deve ser sabido. São desejos que precisam ser saciados mas não divulgados. São desejos que ferem o bom senso, que devassam a vida de outros e, que, sinceramente, não deveriam ser sentidos. Sal para salgar a insipidez do existir. São pecados que as almas não deveriam pecar. São sinistros, mas estão por aí, nas sombras dos seres, conspirando. São negros, são feios, vieram junto com o início de tudo, foram o custo da criação, legado do mal, quando tudo começou.
Mas...agora sei que posso sentir também, uma luz insuspeita, que mostra as sendas corretas, que mostra a seara do bem. Essa luz solta nas almas, sangra o mal, devassa a secreta escuridão, expõe o senso indevido, a sensação do pecado. A luz convive com as trevas, pois sabe que elas a fazem mais luz. Por causa do contraste, o brilho brilha mais. A luz se decompõe dentro das almas e explode em cores mil. Agora se sabe que as trevas não são tudo. Elas têm medo da luz e dela se escondem. Não se sabe agora quem é mais forte. A luz de dentro dos seres precisa do contraste para viver. A escuridão de dentro dos seres precisa se esconder para poder conspirar. Mas está tudo lá dentro, não posso ver, só posso sentir.
Sem solução, esse conflito dos seres, precisa se resolver. É aí que, então, se explode por causa da contradição. E, ao explodir, se exibe para fora da alma, de forma clara, no ar. Para fora dos seres se vai, conflito não é mais, é luta aberta, é a própria vida, encenando a grande peça teatral da existência. É o mundo que vemos, é a vida, são as cenas do dia a dia. A luta constante entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, uma batalha sem fim, se desenvolvendo bem em frente de nós. É a beleza insensata do conflito. Se batalha não houvesse, não haveria sentido em existir. A luz só é luz por causa das trevas. No fim de tudo, quando a batalha final acontecer, e a escuridão desaparecer, finalmente vai haver só luz. Sem contraste. Não haverá mais necessidade das trevas, pois tudo vai se iluminar de uma forma infinita, sem referência, só o absoluto, sem sanções, sem corpo para residir, só luz, infinita no espaço...Será o próprio ser supremo, o próprio Deus?