Sobres mares e florestas


Ele não era de mares, era de florestas.

As praias eram apenas uma linha divisória que separava dois azuis.

Já as florestas, ah, as floretas eram uma diversidade de mundos: rochas, trilhas, rios, lagos, pântanos, cachoeiras, cada um uma impressão bucólica única; além do mais, as nuanças da iluminação propiciavam tons variados desde o breu total de uma fenda até o reflexo do sol nas ondulações lacustres.

O oceano é somente uma promessa, uma adivinhação do que pode estar mais além e mais fundo, quase sempre areia, água e sol - uma bola de fogo que não pode ser fitada, pois se correr o risco de uniformizar toda a paisagem num embaçado difuso ou mesmo perder a visão.

E lá estava ele no matagal, vestígio de um cultivado bosque antigo. Seguia pela trilha, vereda que lutava para subsistir em meio à ganância da natureza que já quase a engolia por inteiro. Colaborariam as pisadas dele para ressuscitar o rastro? Quais pegadas devastaram aquela senda rústica? Qual era o destino? Uma clareira, uma caverna, um precipício? Desvencilhava-se das teias, algumas tecidas há pouco, viscosas e brilhantes, costura de gigantescas aranhas taciturnas; outras desabrigadas, véu que vestia galhos góticos, garras unidas em oração constante ao Mistério, segurando terços de cipós, junção de mãos secas as quais ele separava sacrilegamente.  O que no início era uma aventura ia se tornando um ritual de passagem, mas para onde? Embora se sentisse atraído pelo enigma das trevas, não queria correr o risco de perder o rumo no escuro, expondo sabe-se lá a que peçonhas e armadilhas. Caso fosse possível, seguraria pela borda a claridade que se deslizava como lençol em direção ao oeste, impedindo-a de se arrastar, a fim de manter a claridade e pudesse descobrir aonde culminaria aquele atalho. À medida que prosseguia, tornava-se mais ofegante, as pupilas se dilatando, buracos negros famintos de luz, o coração batia aceleradamente como tambor, sonoplastia para a empreitada do expedicionário. Sim, com passos descompassados.

Síncope.

Não havia mais como interromper. Suas pernas, tomadas do instinto dos desbravadores ancestrais de Pangeia, ganharam o domínio do corpo que se rendia ineficaz. De repente, ele era um homem que explorava e ponto. Um verbo sem complemento. Intransitivo. Um verbo intransitivo que transitava sem fim. Esqueceu-se do porquê percorria, como se andar fosse algo estático, igual ao caminho sob seus passos que, na realidade, ia parado. As peculiaridades dos entes que o circundavam desapareciam numa fusão labiríntica. Equilibrava na linha invisível do seu eixo, focando no seu umbigo, evitando cair nas extremidades da sua labirintite. Mas não adiantava. Sentia-se atrasado. Mas para quê? Os pés pisavam ou o coração pulsava? Vislumbres de pensamento surgiam esporadicamente em flashes foscos até que quase tudo obscureceu, se não fosse uma centelha ao fundo. Sim, era A luz. Sua alma alvejada almejava a luz como aleluias efêmeras que nascem para a lâmpada. Enfim, chegou. Pós a palma da mão sobre os olhos até que se acostumasse aquela limpidez que invadia seu cristalino. Ele se sentia um cristal. Tomado de um elã indescritível, visto que a linguagem se tornou a própria sensação, abriu os braços em apoteótica simbiose. Não precisava mais de tempo ulterior: sentia-se no Útero eterno. E talvez, por isso, ouvia de longe, vozes familiares que lhe davam boas vindas.

Well Coelho
Enviado por Well Coelho em 10/01/2013
Reeditado em 22/04/2013
Código do texto: T4077786
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.