Confissões: 1ª Parte
Não vou contar a história da minha vida, porque até hoje eu não sei se vivi, eu não sei o que é a vida, e nos raros instantes em que me senti viva, eu questiono agora se realmente ocorreram. O amor, amar? Não acredito mais no amor. Já quis acreditar, em minha fase de utopias e idealismos, que o amor é real, mas o amor é só um impulso orgânico em que são construídos fórmulas, fantasias, casas, sonhos e ideias sobre tal palavra e tal verbo. “O amor não resultou inútil” como poetizou Drummond, o amor sempre foi inútil, por isso o ser humano o deseja, por isso romances e ficções são produzidas através dessa inutilidade feita por bichos inúteis, doentes de consciências e de inconsciências. Não estou me lamuriando sobre minhas vivências específicas para depois generalizar e torna-las absolutas. Não. Nem estou conversando comigo mesma, trancada neste quarto escuro. Mais escura e desarrumada é minha alma.
Deixei-me lá no passado junto com minhas malas. Sim, eu me lembro de alguns amigos de escola, de infância, amigos e amigas que pensei naqueles momentos serem importantes e eternos em minha vida. Eles partiram para seus próprios trilhos. Eu partir também para meu autoexílio em meu quarto. Lembro-me do meu primeiro beijo, minha primeira transa, e lembro que tive sensações tão estranhas e prazerosas, mas me senti também confusa, como se batalhões de tropas inimigas e desconhecidas quisessem quebrar os portões do castelo da minha alma a fim de ver partes de mim que jamais revelarei para ninguém. É... Já me senti, como inúmeras outras, tão interessante, linda, especial, inteligente, esperta. Não foi o tempo e nem acontecimentos ruins que mudaram minhas concepções sobre minha autoimagem. Fui eu mesma. (Por que eu fui logo me lembrar disso?) Deixa pra lá. Construir uma explicação talvez me console um pouco por um determinado tempo.
Não sei se devo odiar ou amar minha mãe, afinal ela fez tanto por mim; Ela dedicou-se tanto a mim, ela abdicou tanto por mim, e agora ela espera atitudes de gratidão e de retribuição de minha parte. Claro que é justo. Mas não sei... Meu pai partiu de minha vida quando eu ainda era boba e infantil. Acho que sempre serei boba e infantil. (Preciso tomar minha medicação agora, só vai levar alguns segundos, por favor, permaneça ó Silêncio ainda um pouco mais aí, em cima de minha cama). Minha família não me entende direito, e sei que é tão clichê e normal afirmar isso, assim como não espero compreendê-los completamente. Nada se compreende por completo. Não espero ser compreendida atualmente desde um bom tempo, assim minha estupidez poderá voar mais livremente pelas ruas e avenidas sórdidas. Também cansei de buscar compreender quem eu pensei que valia a pena. Vale a pena mesmo é buscar compreender o tamanho e a profundidade de minhas incompreensões.
Sei que sou chata e egoísta, mas sou assim. Que argumento pobre este meu. Poderei mudar? Claro que posso, mas não sei se devo ou se quero. Minha mãe me chama para almoçar. Cristo meu Deus! Sinto-me agora como um coveiro, vivendo entre lápides, caixões, túmulos, flores, memórias, espaços para novos buracos, porque tudo está morto aqui, assim como eu estou. Não sei precisamente quando morri. Acho que foi quando os meus olhos abertos acordaram, e o mundo e a vida com seus palcos, picadeiros e altares se tornaram em pesadelos com cartões postais, como um inocente bode precisa ainda sorrir enquanto o mesmo é levado para o altar a fim de ser sacrificado em prol de alguma babaquice legalizada ou sacralizada.
Eu me olho, todavia não encontro nada em mim. Nem encontro a mim. Não que eu esteja perdida, porque nada ainda fora plenamente encontrado e desvendado. Se eu ao menos sentisse um vazio em meu ser já seria alguma coisa, já teria algo para sentir, algo para tentar me compelir a alguma reação ou modificação, mas até o vazio se isentou para bem longe de meu corpo. Não sei exatamente o que se passa dentro de mim, pois ao mesmo tempo sinto necessidade de ter pessoas que me amem, que me escutem, que saiam comigo para diversões, que me façam esquecer do que não sei, mas automaticamente essa mesma necessidade de tais pessoas se tornam ridículas e irritantes em meu íntimo. Não estou querendo te dizer que eu odeio as pessoas por odiar primeiramente a mim mesmo. Não. Deixa a tua psicanálise lá no fim do bar das discussões filosóficas. Apenas acho que não adianta bradar para algumas multidões que eu sinto a dor de pessoas com câncer, de gente esperando órgãos num fila que parece não andar, ou de paraplégicos, amputados, ou de cidadãos com doenças terminais, porque isso não muda o fato do que eles vivem e sofrem, e não quero mentir para mim mesmo que as entendo, a fim de consolar ou aliviar minha consciência moral. MORAL! Não gosto do som dessa palavra. Não gosto dos caracteres que formam esta palavra. Não gosto das sementes abjetas que germinaram esta árvore de rapina e hipócrita que as pessoas chamam de MORAL.
Não é nada não Silêncio, antigo amigo de séculos meu. É só uma dor no estômago e nos ossos de meus pés. Deixa pra lá. Sim, eu lhe dizia que nada neste mundo me chama mais a atenção, nada mais nesta vida me causa entusiasmo ou curiosidade. Não estou deprimida. Cultuar a alegria ou a tristeza é perde de tempo pra mim. Assim como quase tudo.
“O que eu quero?” Bem, primeiramente eu não quero a piedade antropocêntrica de ninguém, principalmente de homens que me olham como se eu fosse um brinquedo sexual que se usa, e se atira depois na privada; eu quero que as pessoas vão para o quinto dos infernos, ou que sejam eternamente felizes nos Campos Elísios; não quero vendedores de felicidades, nem de deuses, nem redenções ou de purgatórios, nem vendedor algum batendo em minha porta. “O que eu quero mesmo?” Por que repetir esta pergunta meu amigo Silêncio que pode ser muito bem um ser feminino? Eu quero me libertar de querer e não-querer concomitantemente. Entendeu?! Sei disso, eu magoei algumas pessoas que não mereciam, assim como eu não mereci ser traída por menos de trinta moedas de prata por tantos que eu confiei e julguei amar. Somos meio que porcos-espinhos tentando abraçar ao outro, porém todos sempre acabam saindo feridos e sangrando.
Por que não acabar com tudo de uma vez por todas? Lembra-te de que já estou morta, logo é só uma questão de interstícios para evidenciar tal fato nos manuscritos reais do Obituário. Acho deveras interessante e tão risível agora essas manias humanas em inventar razões para existir, e para se convencer que vale a pena lutar e viver. Nada vale a pena porque a alma humana é imensamente pequena, venenosa, e intrinsecamente equivocada e débil, assim como todos nós somos, assim como tudo o que eu te segredei em teus braços ó meu mísero amigo e irmão a quem denomino “Silêncio”_ tu, que és o reflexo do nada que eu sou.
Concordo contigo! Deixemos a tudo, deixemos absolutamente a tudo pra lá.
Gilliard Alves Rodrigues