Sonata para coração desesperado.
(No blog "Patrícia Porto-Sobre Pétalas e Preces" www.pporto.blogspot.com.br)
Tem dias que me desespero ainda, mas meu desespero mudou de ordem e aviso; então me desespero - e muito - quando vejo meninos e meninas trabalhando ainda tão cedo quando deveriam estar brincando, estudando, tendo um lar decente. Lar decente eu achava que era uma metáfora inventada pela minha avó. Ela dizia que o bom era ser decente. Comida decente, vida decente, casa decente, amordecente, amardecente... Decente que é “digno, honesto, honrado”. Decente-metáfora era ainda mais amplo de significados, porque era o justo, o suficiente, o ético, o confiável. Lardecente. Largo na dignidade de existir. Desespero era outra coisa, coisa feia - dizia minha avó, coisa dos infernos, casa amarela ovo, dor de dente, aguardente... Des-espero para mim era o contrário do eu-espero, era o lado fingido da esperança. Porque eu tinha pressa e não queria mais esperar, desesperava, desespero. Desespero ver crianças sem escola decente, sem futuro decente. Tenho pressa, minha esperança tem pressa e me consome. Quem sabe você aí não me empresta uma sonata hoje? Preciso tanto apaziguar, pousar na sombra de uma árvore vizinha da casa da minha recente infância, a casa do teu sorriso, o meu amor... Pausar no sopro dessa história terrena e injusta a minha inquietude ferrenha sem juízo, o meu desesperado sentir com o coração, pensar com o coração na mão...Deixa minha desesperança pousar na palma do teu olhar? Então, não feche os olhos... Os meus ainda estão abertos: sem controle, sem fugas nem subterfúgios. Desesperando retinas.
Patricia Porto