Se me ouves...Não me deixes cair

Se me ouves, guia-me, acerta-me o caminho, sopra por cada estrada para minimizar as pedras da calçada que me vão raspando as solas, e abrindo os meus pés.

Se me ouves, leva-me direita mesmo quando eu ando a deambular nestes caminhos oscilantes.

Estou meio perdida, azeda, cometendo erros crassos que me afastam de mim.

Não sei o caminho, a minha morada, sei apenas os marcos do trajecto e as marcas que me deixam nesta dor incomensurável, com esta ferida que sangra mesmo quando o transtorno me leva ao sabor das coisas estando elas insípidas e incolores.

Se me ouves, guia-me!

Leva-me a um lugar longe do desassossego e de encontro á minha paz de espírito e me faça sentir um pouco mais feliz.

Sinto-me meio sozinha, sem rumo, num vazio inconstante e num labirinto sem fim...Sem saída, sem tempo...

Ai, como me falta o tempo das coisas boas, saborosas, espontâneas e genuínas, falta-me o tempo das gargalhadas sonoras, das palavras ditas.

Falta-me hoje tantas coisas até parte da minha esperança.

Sobra-me os olhos marejados de lágrimas e os palavrões presos na garganta que não sabem exprimir palavras mansas, que não saem em formas de amor, soltam-se num silêncio absoluto, absurdo e absorto no universo das coisas tristes, das coisas mortas.

Tenho saudades do tempo das essências e dos reflexos

Saudades do cheiro a batatas fritas da cozinha pintada de amarelo

Do sabor dos morangos de antigamente

Dos concursos de dança ao som do gira Discos altamente moderno na altura

Do lado rezingão da Avó

Das correrias casa fora feito saltimbancos quando ainda éramos quatro.

Éramos quatro, também te lembrarás disso desse lado?

Fomos um quarteto realmente feliz, um quarteto que se perdeu num tempo que me deixou de sobra rastilhos de memórias, que por vezes ainda queimam.

Hoje o raiar de sol brilha nos arraiais mais pobres,

Aos meus olhos reflectem a textura de melancolia, sei que hoje te deixo palavras amargas, tão cheias de nada, tão recheadas de um passado que não há-de voltar nunca.

Se me ouves, guia-me, amansa-me esta alma que hoje está mais revolta, como as ondas do mar, e como os pássaros que hoje voam confusos e depressa á margem da minha terra, fugindo á tempestade...

Guia-me o caminho que já estou com os pés descalços, rasgados, cicatriza-me esta dor que o coração trás em momentos mais duros e pesados que outros.

Faz-me companhia, acompanha-me até ao anoitecer, com festinhas na cabeça como se fosse da idade dos meus filhos, com o olhar cheio de esperança e as mãos nos fios do meu cabelo como fizeste em dias meus tão difíceis, em dias gélidos de Madrid que já lá vão, em tempos que eu achava ter chegado ao fim do mundo, ao fim dos meus dias, mas antes terminaram os teus.

Sinto-me só, com os olhos raiados de lágrimas e a alma a nu e cru, em crosta aberta, que vai sangrando sempre quando estou tão frágil e desejo que não o faça desta forma, porque dói, dói tanto.

Não há uma distância física que nos separa, há muito mais, e o pior, é o facto de não saber o quanto mais, ou simplesmente o quê.

Faço asneiras de vez em quando, imprudente e por impulso, mas é incondicional, porque amo, amo tanto que me dá liberdade de respirar mesmo quando há momentos sem ar, e sem liberdade alguma, acontece assim, quando estou como agora, descalça, ferida e mesmo assim desato por aí a correr com esperança de encontrar o meu nome, a saída, ou até mesmo a ti.

Por vezes deixas-me assim, neste estado de absorção total, a escrever desalmadamente sem rumo, e quando escrevemos a duas mãos isto acontece, fico assim perdida, porque só vejo a minha mão, e não a tua, e sinto-me desabar entre a realidade das coisas normais e a loucura.

Fico aqui sem nome, á porta dos quarenta, sem saídas nem portas, sem saber para onde ir, sem brilho.

Hoje apagada por este frio, por esta textura em tons de cinza que me deixam na vontade de abraçar o edredão até que a vida te devolva.

Te traga de volta ao mesmo universo que o nosso, a um tempo em que éramos quatro, aos cheiros que me ficaram, ás gargalhadas, ao som da tua voz mais perto, ás correrias e a uma casa tão cheia de gente.

E sabes que mais?

Havia tempo! E hoje não me resta nenhum, é um princípio de ignorância que a vida me prepara e eu não sei, um precipício que me encontro em queda livre sem voz, sem forças para gritar a falta que me fazes.

Talvez seja um cansaço que me deixa neste estado de exaustão e entregue á desistência,

Um desespero que luto todos os dias e que apesar disso me dê força para me erguer da cama e sair á vida, á luta.

Não me falta na verdade nada, mas por segundos falta-me tudo em momentos destes que me são arrancados pilares que seguram a minha estrutura e que arrancam parte de mim, sangue do meu sangue, carne da minha carne.

E eu disse-te um dia entre o medo de te perder e a esperança de te ver acordada,

Entre o leito da vida e da morte

“Se o teu coração parar de bater, o meu parará junto do teu”

Não menti, porque uma parte do dele parou e morreu contigo.

Aninha-me

Porque sei que estás aí, algures, não sei bem onde, mas sei que estás

Mesmo quando não o sinto

Quando me sinto tão só

Quando os meus pés estão descalços, desgastados e feridos mas seguem rumo, não desistem.

E não é por acaso

Nada é por acaso

É porque parte das tuas mãos ainda me seguram, encaminham e nunca me deixam cair.

Joana Sousa Freitas
Enviado por Joana Sousa Freitas em 02/01/2013
Código do texto: T4064050
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