MIRAGEM
Se quiser amar, ame até a areia do deserto escaldante
mas sem atribuir-lhe o frescor de um oásis.
Ame até a escuridão, perca-se nela
mas sem emprestar-lhe atributos de farol.
Ame a fera, mas destituída da mansidão de ave... ame!
Ame o comum, o vil, o tosco... ame!
Ame-o em sua maldade, mentira, baixeza... que seja!
Mas não o mascare para justificar sua ilusão.
Ilusão de perfeição do ente amado é armadilha
é corrente injusta para a alma dele
e transforma você em sua própria presa...
Não se engane...
Se ama, ame o perfil exato do ser amado.
Não lhe empreste cores, formas, qualidades que não possui.
Isso é a antítese do amor de direito e fato.
Amor é face a face, cara a cara, dia a dia.
Não é espelho enganador.
Ilusão para fugir do medo e do risco
não é amor...
O Amor verdadeiro é a mais real das paisagens
horizonte concreto mesmo que distante.
E atravessar o deserto que é ser sozinho
convencido que ama um ser real maquiado pela ilusão
é querer abrigar-se da solidão numa miragem...
Há que ter muito cuidado...
Amar implica em viver a verdade
que o outro é, sem maquiagens.
Amar o ser inatingível, montado sob molde de perfeição
é tudo que o amor não é...
Isso é a negação do amor e a covarde fuga dos seus riscos.
Não minta para si mesmo...
Não diga que ama, vive e luta com paixão
ao caricaturar o ‘ser amado’ como ‘ser perfeito’
acima do bem e do mal, do real e do palpável...
Isso é só obsessão.
Não diga que prefere acomodar-se à prisão do medo
escondendo-se por trás do amor perfeito e inatingível
eternamente perseguido entre devaneios
eternamente esperado, idolatrado
mediocremente seguro, já que jamais será alcançado...
Não diga que prefere se aprisionar numa fantasia
em um controlado arremedo de poesia
a expor-se a aventura plena que é amar
ao se reconciliar consigo mesmo
e depois amar alguém real, comum e limitado
bem diferente do idealizado
e por isso mesmo correr o risco
de amando o ser incerto, mutável e falho
por conta da incerteza disso, ser ferido.
Não se engane...
O amor não é destrutivo.
Não aprisiona, não nega, não dissimula.
Quando ele existe, ele sempre faz o bem.
O amor jamais evoca o mal ou alimenta a mentira.
Mesmo o amor sem correspondência lhe fará
sozinho encontrar uma forma de bem aventurar...
Enrodilhar-se eternamente no casulo e nunca sair para o vôo
é querer transformar um passo apenas em um caminho inteiro...
A isso chame de Medo, de Fuga, de Ilusão, de Arremedo...
Nunca de Amor.
Pois do Amor só sabe e prova quem se atreve
quem escapa mesmo sem poder voltar
ao cômodo Medo que lhe protege ...