Dizem que há um destino, que com sua mão firme, traça o único desenho possível para a realidade. Não acredito! Para mim as coisas são e não são e é só isso que é o que as coisas são quando elas são. Quando não são, deixaram de ser e foram brincar de ser outra coisa. Há um terrível e eterno medo em aceitar a simplicidade que as coisas tem de serem somente o que são quando não foram e nem podem ser imaginadas. Imagina uma coisa dessas de se acreditar em tudo o que a imaginação inventa, o bem e o mal, o céu e o inferno, a vida e a morte, as divindades que nada tem de divino e essa humanidade que nada tem de humano.
O pensamento cria este sonho e o sonho em sua ânsia de se realizar cria a realidade. O que os olhos vêem são o que o pensamento quis que vissem, o que o sonho realizou eu sua vontade de ser real, o que a imaginação por falta de nome veio chamar de verdade. E a verdade é que uma coisa ser ou não ser é tão falso como não haver nada para ser ou não ser.
Um dia o silêncio vai se apoderar de tudo. E o que não foi dito, nem pensado ou imaginado, antes que seja, será esquecido. Perdido no tempo para sempre. Mas todo tempo é para sempre, que continua a ser quando deixamos de perceber que é. O silêncio é o vazio no meio de tantas de nossas palavras. O tempo é tudo que permanece quando passamos a ser nada.
Um dia se poderá cantar e sorrir, depois de esgotado todo o pranto por tudo quanto existe. Um dia se poderá sentar à beira do caminho e esperar para ver o sol se por. E deixar que a noite se torne mansamente todo o silêncio que deve ser e todo o tempo que realmente é. Porque a noite é o descanso do tempo, o sonho adormecido das palavras, a mais completa desnecessidade de se apegar à capacidade de olhar. A noite é a capacidade de sentir. Farejamos a morte num sonho e a vida se nos escapa das entranhas. Estamos vivos porque nos alimentamos de nós mesmos. Alimentamos-nos de existência diante do mistério mais insondável que todas as coisas trazem no ventre. E as coisas estarão sempre a parir alhures outros sonhos.

Depois tudo desaba do céu em forma de poema,
Um raio, uma chuva torrencial, ventos furiosos,
Meus dedos curiosos cavam fundo o ventre da terra,
Berra de dentro de mim um olhar afoito no silêncio
E uma nota musical quebra de súbito a escuridão.
Minhas mãos cansadas cheiram a orvalho da manhã,
Passei a noite inteira colhendo essas tempestades,
Um sol no meio do peito inunda meus olhos de lágrimas,
Há uma árvore plantada em cada um dos pensamentos
E rios correm pelos vales desertos de minhas veias,
Deságuo no mar e tudo no mar tende a não ter mais fim
Deságuo além do fim e tudo tende a ser um mar em mim
E por fim deságuo em mim e além de meu fim tem um mar.
Também todo o amor que há desaba, desarma, deságua
Nessas palavras desalmadas de uma poesia tão sem fim.
E meus dedos furiosos cavam fundo o ventre das tempestades
E a terra molhada sepulta o orvalho de minhas últimas vontades.
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 29/11/2012
Reeditado em 03/05/2021
Código do texto: T4011254
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