Nestes rostos tantas histórias, esse ir e vir incessante por passos indecisos, emoções indefinidas, sentimentos imprecisos. Não sabemos quem ou o que somos e se somos, somos de improviso. E eu não preciso de um motivo para não ser, sei que tudo deve ser sem nenhum motivo. Se bem que o motivo das coisas não está nelas, mas fora delas e distante, para ser procurado com uma vontade além de insana, que nunca é encontrado e quem acha que encontrou se engana.
De fato, nós não somos. Nós compramos. A humanidade consome e nesse movimento some com a humanidade que deveria ter. O sujeito passa a ser objeto e o objeto passa a ser tudo. Vivemos então, se vivemos, em plena regra do obsoletismo. O que importa agora, pouco importará daqui a pouco. E queremos ser eternos, duradouros pelo menos, queremos que a vida seja um legado para qualquer futuro incerto. Mas tudo o que fazemos é para durar apenas quinze minutos. No outro instante mais próximo futuro a próxima atração. Não importa a realidade, mas o espetáculo. O show não pode parar. A vida sim. O show não. Matam-nos os sonhos e nos dão em troca um punhadinho de ilusão, com o qual dá para ir vivendo um dia de cada vez.
Dou-lhe uma! Dou-lhe duas! Dou-lhe três! Vendida ao distinto cavalheiro a virgindade que nunca existiu. Tenho mais dinheiro, posso comprar seus sonhos, seus pesadelos, suas vontades, sua dignidade, sua insignificância pode atingir um preço significativo, posso comprar amor, menos a verdade, posso comprar sua atenção, mas não sua amizade, posso comprar a cidade e esvaziar a metade e ficar só com a metade que quero e queimar a metade que não quero. Quanto vale o metro quadrado de sua honra? Bote preço que posso lhe comprar o seu mundo virado do avesso. E não se avexe, que depois alugo o mundo para você.
Bem longe daqui os escombros de um mundo que a gente vê só pela tela da TV. E os olhares assustados das crianças que olham para as câmeras olham para nós olhando para elas indiferentes, esperando o começo de outra novela para podermos nos indignar e chorar de verdade.
Bem perto daqui um abismo além de um muro que construímos num tempo que esquecemos, num chão que perdemos, por essas mãos que não temos. Oremos: livrai-nos de todo o bem para que não fiquemos tão mal acostumados. Mas filosofemos: por que descanso é algo que se esgota e cansaço é algo que se acumula? No meu aniversário eu faço um ano a mais de vida ou será que é um ano a menos? Olhemos: do fundo do espelho há um olho que me olha olhando para ele olhar para mim que olha ele me olhar. Quanto olhar nós já desperdiçamos?
Nestes rostos tantas marcas de sorrisos de outrora, tantas lágrimas de ainda agora, cada olhar uma história, de relance esconder a história de olhar sempre para frente, mais para frente e ainda mais, até que a morte nos encontre e nos acolha com seus braços abertos e seus abraços apertados, apartados os mortos dos vivos por umas perdidas memórias, nem um resto de lembrança enquanto se cultiva uma tolice tão grande chamada esperança.
Eu espero que o silêncio engula minhas palavras, que a escuridão devore os meus olhos. Espero que a terra receba o meu corpo e vomite outra forma de não ser para eu me esquecer de fazer qualquer esforço por renascer. E matar a luz em mim, iluminando toda essa escuridão.
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 28/11/2012
Reeditado em 03/05/2021
Código do texto: T4009211
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