Eu dormi. Depois acordei. E então fui dormir de novo. Levantei, deitei, levantei de novo e deitei de novo. Olhei para as paredes, para o teto, para o chão, para o espelho, para o fundo lá dentro de mim mesmo. E nada disso me agradou, então fui dormir mais uma vez. Assim foi todo o feriado.
Trabalhei a outra semana, saí de São Paulo três vezes, sempre para bem longe. Mas voltei e cá estou. Por mais que eu vá e por mais longe que seja, eu volto sempre, estou sempre voltando. Parece que volto até de lugares onde nunca estive, parece que estive em todo lugar de lugar nenhum, num tempo em que o tempo não carecia de ter qualquer significado.
Não pensei muito. Descansei disto também. Não tive idéias e nem sonhos, pretextos ou desejos, as minhas tão poucas vontades tiraram folga de mim e eu delas e ficamos bem um distante do outro, eu e as vontades, duas metades de uma mesma falta de necessidade.
Eu de fato preciso de pouco, de muito pouco. E muito melhor do que precisar de pouco é precisar de nada... Talvez nenhum caminho em nenhuma estrada, nenhuma caminhada e nenhuma estada em lugar nenhum. Ilusão.
Eu só sei da estrada que me leva e leva e depois leva para mais distante lá adiante aonde nem sei onde é que fui meter o meu focinho. Sei da distância e da saudade, do que me faz e do que não me faz falta.
Depois o vazio, a única constância imutável no suceder dos meus tantos dias. Um sentimento de inutilidade da solidão, que só não é mais inútil do que as máscaras que nos pomos e os sorrisos que disfarçamos, só para desagradar a quem não se agrada de mim. E que não se agrade mesmo aquele a quem tudo desagrada, porque eu não vim a este mundo para agradar ninguém.
Ninguém me sabe, ninguém me vê, nem ouve as não preces que nunca faço e nem carrega a metade da angústia que sei suportar, e essa melancolia no olhar que quer ver somente aquilo tudo que ninguém vê. Ninguém me chama, ninguém me espera, ninguém me ama. Ninguém me acalma, ninguém me desespera, ninguém interfere o meu olhar atento e atônito para a profundeza das coisas mais superficiais, para a importância das coisas mais desinteressantes, para a deselegância de toda essa coisa tão deselegante que é viver e não ter esperança de ser feliz.
Nada me encanta, nada me espanta. A realidade por vezes me espanca e diz que é para o meu bem, que é por amor, assim como tudo que dói tem essa mania de doer somente por amor, para o amor, por ser amor, para ser amor. Tem que sangrar, suar, se debater. Depois desistir e se abater, levantar e ter de ter toda a coragem que nunca teve de ver que o medo é só o medo de um medo que nunca teve. E se deteve a um passo do abismo, o olhar para o misterioso e desconhecido da vida, a morte certa, próxima, vindoura, infalível, inevitável... E tem o infinito, pode até ser bonito, mas nunca tem fim. E todos os deuses, que são infelizes porque são imortais. No mais, estes céus povoados de divindades tão banais. Prefiro as estrelas muito mais. Elas são distantes, mas são brilhantes. Delas eu quero só a luz e nada mais.
Talvez esse sorriso que carrego não seja um bom sinal. Talvez nada do que eu carregue seja bom sinal. Talvez, na verdade, nada seja um sinal. Sinal de que não sei se sei o que penso que sei a respeito de tudo que não sei mais se ainda sei. Isso sim é distância. Isso sim é muito perto do infinito. E talvez até seja bonito. Isso sim.
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 27/11/2012
Reeditado em 03/05/2021
Código do texto: T4007893
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