Um anjo

Se eu fosse um anjo, voaria por cima das nuvens de chuva e receberia os primeiros raios de sol da manhã, os mais puros. Faria piruetas entre as estrelas e esquivaria de uma ou outra supernova que tentasse me atingir. Viveria de forma simples, esperando o dia que algo acontecesse.

Mas cairia da Graça porque me encantaria por esta ou aquela filha predileta de Deus, pois todas são preferidas. Sentiria na pele as dores reservadas aos homens, dores que não deveriam atingir aos celestiais. Sentiria a dor no peito, afetando não um coração cheio de veias e artérias, mas o coração desenhado por mãos de uma criança e mal pintado com giz de cera, doeria no coração que medico algum pode tocar.

Através da dor me tornaria humano e mortal, descobriria a sensação de morrer mas ter que continuar andando, de sorrir a quem nada tem a ver com a situação, aprenderia a mentir e dizer que tudo vai bem. Levantaria os dedos para o céu, não em suplica de um filho que pede ao pai, mas revoltado questionaria a mão que deu e que tirou e nenhuma resposta receberia do céu, pois, como qualquer humano, não saberia ler os sinais. Veria as feridas se fecharem e cicatrizarem, tornando-se linhas da minha historia, cometeria os mesmos erros.

Quando chegasse o dia de deixar de ser eu e passar a ser nós, entenderia que nenhum anjo ou santo cujos pés luminosos pisam o solo sagrado tem maior divindade que aqueles do lado de baixo, humanos passiveis de erros, perceberia que um toque rasgaria a carne e tocaria minha alma, sentiria a fúria de desejar tanto alguém que chega a tentar, através de apertos, colocá-la sob a derme.

Sentiria o prazer de me enroscar nos cabelos de uma de Suas filhas, de ver meu reflexo em seus olhos e, diferente de qualquer espelho, ver também todo sentimento imbuído nos mortais. Seria testemunha do poder que Deus deu as mulheres, algo que nenhuma outra criatura sagrada é capaz, veria dela gerar a vida.

Se eu fosse um anjo, desceria ao solo e com força arrancaria minhas asas das costas, as deixaria para trás e viveria como homem, muito mais próximo da divindade.