Amigos

Os amigos, separados pelo tempo abstrato,

pelos caminhos de argila,

pelos rios e suas pontes ligando a saudade

à impressentida nostagia da ausência

enquanto em todo o céu é primaveras,

relembram estes ínicios de novembros

onde desabrocham flores por entre as frestas das pedras,

pequeninas flores interropendo

a estrutura calcinada pelo fogo do tempo compassado

a encher de presságios a vida e a alma

Girando sobre as folhas soltas do outono

a silhueta do vento derruba a gota de orvalho

e pousa no poema

e cria a lágrima

nos olhos verdes da solidão

O poema nasce assim, sem luz, sem nome

por enquanto somente esta lágrima da solidão

rio sem sementes,

sem momentos,

um sonho que fosse

um barco sem vela nos imprecisos ventos do agora

estrelas no firmamento tiritando aos olhos da lua

embalam a noite no ar

brotam saudades do chão

e o poema se expressa entre a saudade e o sem nome

Enquanto os amigos se esperam

Enquanto o vento gira

Enquanto o poema nasce

um pouco de nós fica nesta ausência

gestos,

risos,

vozes

e as mãos cheias de nada

Fica, em meio a tudo, este tom de tristeza

Fica, apesar de tudo, estes novos poemas

e a janela das Luas Antigas

onde me debruço a olhar a vida e o mundo

com olhos distraídos de artesão de estradas

e sonhos ociosos e incognocíveis como um mistério

São tantos os momentos que fogem

e calam no gesto de demora das flores

São tantos os momentos de indagação

dos barcos rumo ao porto

São tantos os silêncios,

que quase ninguém ouve

São tantas as esperas

que a areia escorre da mão

fluída como a vida em grão

Os amigos relembram o primeiro segundo,

a última hora de tantos novembros

a perguntar pelo passado que imiscuiu-se à multidão,

bosque ou jardim,

ausência amorável

como o perfume da rosa

como um dia que amanhece

com encanto o dia que o precedeu

A brisa caminha em tempos e sonhos

que a chuva deixou no jardim

insinuando tardes brandas

e paisagens convidando ao

adeus

Marulho do mar

O silvo do vento passando pela fresta da janela

Houve um tempo

em que o vento despenteava o meu cabelo

e secava a lágrima que, às vezes, caía

só e silente

como a única verdade de um instante

Na distância, o rumor do vento soprando,

secava as gotas de chuva nas pétalas das flores no jardim

A vida esquece-se no rio

deixa-se levar

tecendo os fios da urdidura

enquanto nas margens

os amigos se esperam

Esperam o momento dúbio

de um possível reencontro

em outras primaveras onde as flores são abandonos,

outros outonos?

inumeráveis verões,

nas noites estreladas de um inverno

onde as saudades são quentes e ternas

Esperam, os amigos,

assim esperam

cativos de tantos outros dias

E a vida, assim, torna-se indispensável