Existir Indeterminado
Chega de palavras garridas e embelezadas. O mundo não é feio e nem sublime. Não pertenço a energia cósmica nenhuma, não pertenço a etnias raciais e nem políticas nenhumas, não pertenço a nenhum tipo de irmandade com a vida, com as pessoas, e nem me pertenço a mim próprio. Era uma outra coisa, um outro assunto que minhas mãos queria te falar, mas agora esqueci. Analisar cada possibilidade variante que possa resultar de uma ação ainda não completamente equacionada que será realizada por nós, nos mínimos detalhes, prevendo os efeitos flutuantes no todo que esta mesma ação, que será cometida, resultará e se fixará em cada componente do todo o qual não é nada.
Hora de acordar; hora de se vestir; hora de estudar; hora de bancar o cidadão ético e responsável com os seus deveres individuais e sociais; hora de bancar o engraçadinho, o sério, o palhaço, o altruísta, o covarde; hora de recitar frases de autores famosos, de grandes intelectuais; hora de se destacar, de ser uma estrela cujo fulgor seja mais intenso aos olhares das demais estrelas solitárias, isoladas, exiladas em seu próprio brilho hedonista. Fale alguma coisa, este silêncio rasga a minha alma. Não percebes que eu prefiro que mintas para mim, que me contes qualquer idiotice que tu achas interessante a teres que permanecer calada, com este teu semblante que objetiva inutilmente a sondar as tumbas onde abortei meus sonhos, onde abortei qualquer tentativa de revelar quem eu sou! Eu não sou a tua vida como antes tanto me dizias, e nem me és minha razão de sorrir e nem de viver: vamos parar agora de sermos tão sentimentais e enganosos, e fechemos por tanto os portões das ilusões que tanto queremos ver, sentir, tocar e escutar um no outro, e um do outro.
Não és feliz, e nunca serás. Somente tentas convencer-te diariamente com otimismos sensoriais e verbais e com outras ideias, a fim de enganar-te de que és feliz com a tua vida. Certamente és feliz, por que não haveria de sê-lo(a)? A outra questão é que nunca deixaste tua infelicidade abrir as janelas do teu olhar. Nunca. Não é isso também. Por que passar tanto tempo dramatizando ser a vítima das causas e efeitos? A vítima de um mundo desigual e injusto; a vítima de amores quebrados e doentios; a vítima de amigos traidores; a vítima de teus próprios sentimentos incertos que buscam palavras incertas para definir plenamente tuas sensações e teu estado de espírito; a vítima dos horrores que, sei lá, disseste vivenciar, do que dizes não mais suportar, do que indagas tanto que te dilacera cada órgão dos teus pensamentos; chega disso. Não há mais vítimas e nem responsáveis. “Há apenas nós”, e somos inexistentes substancialmente, jamais se esqueça desse fato o qual nunca pediu para ser nomeado como “fato”. Como eu gosto de lamber a vagina de todos os solecismos que pariram nossa autoconsciência e ao existir também! Ninguém fez isso, porque não há ninguém neste mundo. Ninguém te iludiu, pois tu foste o teu próprio desejo de querer se iludir ao pensar simultaneamente em não estar sendo iludido que, no desfecho que nunca acaba, te iludiu. Não aprendemos nada com a história antropológica do ser humano. Aliás, não aprendemos nada, porque não há nada e nem ninguém para aprender. Lembra-te de novo: somos inexistentes e olvidados no âmago do oculto.
Não me venha idealizar os erros e os acertos que porventura alguém praticou; não me venha platonizar com bipolaridades conceituais sobre a morte e a vida; chega de tentar nos socratizar com os espelhos libertadores do conhecimento e nos tirar das jaulas das nossas ignorâncias tão doutoradas; não suporto hipérboles e nem eufemismos, somos hipócritas na arte cênica de não querermos ser hipócritas. Deixai as ideias e as emoções a queimar na fogueira inquisitiva do Arbítrio do querer ou do não querer alguma coisa, predeterminadamente é claro.
A vida, (que chamarei de “vida”, pois não sei se eu devo utilizar recursos linguísticos e cognitivos para concluir que se chama “vida” isso aí tudo mesmo), a vida é indeterminada, assim como o amor que sentes pelas coisas que dizes sentir e nutrir; as ações são indeterminadas, os agentes são indeterminados, o mundo em que personificamos para compreender o incompreensível é indeterminado, assim como o universo bóia completamente a fundo na indeterminação. Enganei-me de novo: o mundo não é incompreensível, e nem é uma esfinge a qual devemos matar com o machado de nossa lógica e conhecimento os seus mistérios e segredos.
Amigos.com.br; receitas-para-ser-feliz.com.br; encontre-a-Deus.com.br; seja-colossal.com.br; eu-sempre-te-amei.com.br; eu-não-ligo-pra-nada-e-nem-pra-ninguém.com; minha sensacional geração apocalíptica dos “pontos com”, dos “WWW”, nestas artérias e veias de sangue virtual que devemos fluir em nossas mentes: vós, vinde até vós mesmos, e não sejais nem o lobo e nem a ovelha de vossas fábulas alegóricas que vós advogais ser os autores representantes ou representados. Não há alvará em se existir, ou de se deixar de se existir.
O mundo, as pessoas, os acontecimentos, as mortes, as descobertas, as revoluções, a fumaça do cigarro ainda úmida no carro; os lençóis ainda suados e com um pouco de sêmen de dois seres apaixonados por suas próprias paixões; os sapatos novos comprados semana passada numa loja requintada; os avanços médicos curando e criando novas doenças; os boatos sobre a vizinha de quinze anos e sua promiscuidade sexual; as novas fotos nas redes sociais, o puritanismo religioso ao encher o saco dos ouvidos de Deus com tantos pedidos, agradecimentos e lamúrias; os excrementos da privada sugados esgoto a fora; crimes solucionados, tudo isso e todo o resto é indeterminado, pois tudo jaz sem conteúdo, e sem formas, sem exterior e nem interior, tudo jaz dinamicamente inerte, atrofiado, sem alma e nem corpo nas mãos prolixas da Indeterminação.
Acaraú, 4:50 da manhã.