Gosto amargo
Acordei com um gosto amargo na boca. Vasculhei em volta pra ver se encontrava farelos de sonhos bons no travesseiro, eu podia ter os consumido sem perceber, afinal, fazemos tanta coisa enquanto dormimos! Mas não encontrei nada, apenas uma grande mancha ainda molhada na fronha, não sei se era baba ou vestígios de lágrimas.
Escovei os dentes pra ver se o gosto de hortelã e menta pudesse purificar-me, mas o gosto persistia, deixava minha boca rançosa.
Sentia como se eu tivesse mastigado pesadelos a noite toda, mas não acordei com o coração palpitante, nem com as mãos suadas, nem com pressentimento ruim. Só o gosto amargo.
Depois de vestir-me procurei nos bolsos alguma bala perdida, bem doce, de preferência que tivesse gostinho de manhã adolescente. Quem sabe, uma com gosto de quatorze anos. Nada!
Caminhei rumo à rotina com esse incomodo e com o desconforto de não saber nem o que era e nem o porquê era.
Pensei em quebrar o amargo com amargo. Tomei um café forte sem açúcar e esperei o líquido descer-me a goela e melhorar o paladar. Nada!
O bendito amargor persistia.
Falei pouco, a manhã toda, para que ninguém percebesse o meu desconforto.
Intrigada, fechei os olhos para entrar no meu subconsciente e conversar um pouco comigo mesma. Em todo o meu reino interior havia neblina e não me encontrei.
Vez ou outra durante meu dia eu fiz isso e num mergulho e outro não achei a mim.
O almoço não passou da garganta e o que passou fez questão de voltar em convulsões severas e ininterruptas até a tarde chegar...
À noite o sono não veio porque havia agora algo mais que apenas o amargo, havia ausência.
Entre as cobertas procurei algo que não sabia se existia e na geladeira algo que pudesse me fortificar de um dia com o estomago vazio.
A madrugada entrou pela janela ainda aberta e as corujas me estranharam ao observá-la.
E enfim, olhando fixamente a lua um brilho irradiou minha memória e tudo se esclareceu...
A lua lembrou-me do brilho nos teus olhos quando me deu um último beijo antes de eu tira-lo da minha vida. O gosto da despedida fixou-se em minha boca e uma ausência descomunal habitou em mim.
Era a minha própria ausência, já que me levou contigo.