[04h40 - Eu Preciso de Sonhos]

Sonhar... sonhar... será que há noites sem sonhos, será? Não sei, não sei... mas sei que há muito tempo eu não sei o que sonhei! Sim, pois, às vezes, ao amanhecer, perplexo, eu sinto os sonhos me abandonando, parece que eles saem de mim pela minha fronte... eu tento agarrá-los pelas franjas, mas é inútil a tentativa; eles somem no teto surdo de onde nunca retornam... E o pior: só os belos sonhos é que fogem de mim, os feios, os maus, esses quase nunca fogem, e costumam ficar agarrados na minha mente assim, feito cracas em cascos de barcos.

Eu preciso sonhar, eu preciso sonhar uma história inteira, complexa, rica de imagens, de desejos que me até levam a orgasmos... Eu amo a noite, eu amo... é quando eu mais vivo, é quando o quase de mim, aquela película que envolve o meu olhar se torna mais tênue, e permite a translucidez que me alucina; é quando os vultos se definem, é quando os faróis do meu carro iluminam os contornos sensuais do corpos, e então, comandam o pedal do freio...

Sim, eu preciso da noite, eu preciso! Quando amanhece, o choro da manhã raiada é o lamento da deusa dos infernos que esteve comigo, e agora retorna a sua morada... assim, como uma pátina, a neblina fria cobre tudo; sim, é hora da neblina no mundo, o que fazer? As últimas luzes da noite se difratam no para-brisa molhado e no meu olhar úmido — um impressionismo de cores vivas que fogem, contornos que a mente, ainda que pudesse, não os quer definir... Logo, tudo se ilumina, passam os cães, luzes se apagam, e agora, os pneus estranham as ruas, e levam-me, só me levam, só.

Há ainda um resto de noite sobre a terrível face do mundo, e eu preciso de sono, pois eu nunca sonho acordado — será que perdi a capacidade de devaneios? Será? Ah, nem quero pensar... eu preciso de sono, e de sonhos que não me deixem ao amanhecer, eu preciso...

Quero paisagens, não quero paraísos... quero a paz, a mansidão do amor à beira de águas calmas... Porém o meu tempo não tem sido tempo de quando, mas cria-se em tempo de não... perco-me, frequentemente, para mim mesmo!

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[Desterro, 19 de outubro de 2012]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 19/10/2012
Reeditado em 19/10/2012
Código do texto: T3940499
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