Roupa Nova

Decididamente não quero me vestir de tolo, não quero me fingir de tolo. Nessa transição da adolescência para a idade adulta. Catapulta um conjunto de obscenidades. Meias-verdades. Coisas que devem se deixadas pra trás, para serem recuperadas depois. A grande incidência do talvez. Que não tinha tanta freqüência antes. A fumegante paranóia da introspecção. Que uma criança deprimida é um martírio para os olhos. No adulto é apenas uma circunstância. Como definir a ânsia? Talvez seja o derradeiro desejo na cabeça do idoso. Que, a despeito de tudo, não deseja a morte. Mas sabe que não tem como enfrentá-la. O favelado pode ser despreparado, mas não é deprimido, em geral. Não se fala mais na geral do Maracanã. As mudanças são inevitáveis. Nem sempre eficazes. Ficamos com os gases, obuses, ou buses. As bases. Poderemos sempre nos apoiar na inoperância. E ver como desliza a gota de chuva pela folha de zinco. Um terno vincado, um óculos escuro e a bunda gelada. O pé na estrada não significa que se vá longe. Ver a hora no Valongo. O homem e a mulher nunca de fato se encontraram. Por que então agora essa história de que daqui a pouco não vai mais haver diferença de gênero? Um comportamento adequado não é beligerante, não é conflitante, questionador. Não é nada. E nem espanta a dor. Nem espanador. Aspira a dor. Os fusos não nos fundem a cabeça. Não podemos ser só abstratos. Mas de concreto, o que temos? Na escola o essencial é que não aprendamos nada. Pois tudo alguém nos dirá um dia, quando ela estiver lá atrás. E a graduação? Há coisa mais pobre que a titulação? Estudei no MIT, me formei em Harvard, na UFF, na USP, em Coimbra. Fiquei com câimbras. Tudo pode ser importante, mas nada significa diante do inevitável. Quero saber onde os passarinhos vão dormir quanto tirarem todas as árvores. E não puderem ouvir uma toada na varanda. O alpendre. O sapato de salto alto contendo aquele pé alongado, dedos finos, unhas bem feitas e discretamente pintadas. Uma pitada de bom gosto. Higiene. Insuspeição. O alpendre a ela me prende. Como o dorso feminino. A melhor música é Ravel. Melhor noturno, Chopin. Se estiver mascarada, melhor. Carnaval. Que nunca foi ilusão. É claro que não vamos ter o que queremos. Mas sobrarão talvez algumas gotas. E vamos sempre imaginar que elas possam se tornar chuvas. Porque contamos com a perene idade. A idade prende e nos leva longe. Mas sempre está tudo tão perto. O mundo é uma bola que a gente chuta de brincadeira. Poderia ser um espetáculo dantesco, se ela furasse. Mas é infurável. E fica de lá pra cá sem sair do lugar. Embora os fusos quisessem nos fundir a cabeça. Mas sempre tem o sinal: adormeça. Quando você acordar, vai jurar que tudo está do mesmo jeito. Porque tudo continua muito perto. Só o sono, ou o sonho, é que foi longe. Se a duração não foi pequena. Elucubrações metafísicas nos dão a garantia de que não vamos chegar a lugar algum. Como se já não soubéssemos. Como soubéssemos fingir que estávamos vestidos. Para que aprendêssemos de novo a andar sem roupa.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 15/10/2012
Código do texto: T3934841
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