Encontrei num (capítulo) antigo... e perfeito para o tema em algum lugar do meu passado (EC)
Não sabia ao certo o que buscava talvez um texto, um poema, um verso que fosse. Folheava algumas velhas obras, tirava o pó, alguma leitura. Insatisfação. Não, de certo não era isso que procurava.
Mas que idéia. Ao mesmo que boa, difícil, procurar algo no concreto das obras antigas.
A caixa de papelão em baixo da cama pedia, clamava por ser aberta. Rogava ar. O intuir avisou. Um pequeno gesto, um esforço, e me via no chão, sentada meio a tantas quinquilharias, livros, papéis antigos, envelopes quase ilegíveis. Eram entulhos, daquilo que o apego material não permitia o desfazimento. Bens materiais e/ou móveis em desuso, defasados, antiquados, obsoletos, inservíveis, antieconômicos. Etc...
Havia, no entanto num cantinho da caixa, um pequeno livro amarelado, onde se lia “Cem sonetos de amor”, fora um presente. No exato instante do folhear, brotam como que derramando cenas cotidianas, sabores perdidos, aromas seqüestrados pelo tempo.
Não tinha meio as páginas pétalas e folhas secas, bilhetes em papel prateado das carteiras de cigarros. Não. Não continha poeminhas escritos em lenços de papel com beijos de batom. Não, não havia, não tinham fotos amareladas com dedicatórias, nem letra de música escrita em retalho de revista. Nada disso existia. Houve, no entanto desenhos que desfilaram na retina, reais e honestos nas cores das roupas, do jeans, da pele. Nos olhos abertos passaram incansáveis as noites, dias de paixão, infindáveis declarações de amor, tantos, porém finitos dormir e acordar ouvindo “eu te amo”.
Um Boom de emoções tornou aquele ambiente com olor de sentimentos embriagadores, ardentes detonados em dias de chuva, instantes irrecuperáveis materialmente, mas conservados, preservados pelo tanto que eles foram. Passaram filmes vistos juntinho, músicas, passeios, cada vivência contida no embolorado daquele pequeno livro. Bolorentas recordações contidas num canto qualquer do passado. E a tarde já se ia, o anoitecer anunciava,é hora de secar essas bobas lágrimas, parar de fitar aquilo que não se vê. Voltar para a caixa cada item, arranjar com uma fita e colocar de volta no mesmo lugar.
Tudo já respirou. Cada pedaço de papel, folha de livro, expôs suas saudades, mostrou que vivem ainda as memórias, que cumprem suas funções de serem lembranças. Pus então os olhos em direção da janela, já passavam das sete, e percebi que o tempo, engraçado isso, naquelas horas, envolta em tanto pretérito, passou e não passou. Transcorreu no filme da memória, e parecia que o relógio as horas não marcava. Mas a tarde se foi, sorrateira, e nem me avisou. Como que não quisesse me espantar de mim mesma. Como se não pretendesse roubar-me dos devaneios.
Olhei em volta, era só mais um quarto de guardar coisas, aquelas que prometo a mim mesma sempre selecionar, e desocupar lugares. Prateleiras. Espaços vãos. Jurei para mim que numa outra hora de mais entusiasmo e alegria ali voltaria para faxinar, rasgar, queimar, arrumar. Voltaria quando meus olhos já não chorassem de saudades. Regressaria quando o apego ao passado, revelado pelos bens materiais fosse dissipado e então eu já fosse mais espiritualista. Retornaria quando quinquilharias sem sentido, como canetas secas, cartões de telefone usados,ingressos de shows e cinema não significassem mais tanto. Daí sim voltaria.
Tornaria quando não mais restasse aquele aperto no coração e uma indisfarçável tristeza como aquela que eu experimentava naquele momento. Desejava que fosse mais simples menos complicado. Mais uma olhada, fechei a porta. Queria muito que aquele cerrar de porta significasse bem mais que um trancar de aposento. Intentava que denotasse o fechar de memórias, o apagar de sonhos que se perderam. Enclausurar a alma, o coração, para um passado que insiste em morar naquele velho quarto. Teima em viver resoluto e sem tranca, no meu interior.
# Vivência a partir da busca por inspiração, material para o desafio: "Encontrei num livro antigo...”. E agora republicação para o EC “Em algum lugar do meu passado”, este texto foi a primeira memória que me veio, ou melhor, a segunda, a primeira foi digamos Richard.
Para ilustrar o real dessas memórias, reproduzo aqui na integra um e-mail impresso encontrado entre guardados que considero um dos mais significativos que recebi entre cartas, e-mails, cartões, dedicatórias que compõe parte dessa história. Abro emocionadamente um parêntese revelando um pequeno item da minha intimidade. As data e texto são verídicos, apenas o nome do remetente preservado, trocado por um fictício.
De: Richard
Para: rspmf@ig.com.br, suandvalois@bol.com.br, rspmf@hotmail.com
Data: 01/08/2001
Assunto: Minha flor!
Rosy,
A vida é um processo bonito e tortuoso ao mesmo tempo. Eu e tu caminhamos por diferentes direções até nos encontrarmos; sei que teu caminho foi mais longo, mas creio que o meu foi mais frio. Olhei muito pouco para os lados, perdi a oportunidade de apreciar muitas paisagens belas por auto-cegueira. Com o decorrer do tempo, fixei meu olhar numa única direção. Esqueci que o horizonte se perde à vista.
Andando por um longo tempo desse modo, acabei por me esquecer o que buscava. Entediei-me com a monotonia do mesmo limiar do céu e terra. Parei!Perdi-me em mim mesmo. Passavam por mim muitas coisas e pessoas, a cada uma olhava com a mesma cara de desânimo. Vi-me vazio e só, mesmo estando cercado de tantos outros. Numa leve brisa que soprava apreendi uma intuição, um brilho mínimo na escuridão. Ergui-me mais uma vez e tateando em meio ao breu segui em direção a ela. A cada passo a luminosidade aumentava. Num dado momento pude caminhar pisando firme. Começava a se vislumbrar a direção que havia perdido, meu norte.
Aprendida a lição, ora aqui ora ali, punha meus olhos sobre a paisagem e tentava captar seus olores e cores. Faltava algo ainda no quebra-cabeça do mundo, uma peça-chave para que o todo se fizesse presente, o conjunto mostrasse a figura escondida no jogo. Tentei algumas peças, mas a cada entusiasmo pela solução, seguia-se o infortúnio do erro. A cada percalço, uma lição levava comigo. Seguia minha direção. No ínterim da jornada continuava a sentir a paisagem no que ela me oferecia. E foi em um dia qualquer –agora especial – que meus olhos detiveram-se mais demoradamente num ponto. Parei e observei num átimo o motivo de tal acontecimento – nunca parara assim subitamente para olhar a paisagem. Era uma flor. Como uma tão simples flor pudera me fazer parar? Não sei explicar. Contudo em meio a tantas outras sua especificidade se fez notar: singela e bela. Sua beleza transcendia ao exterior. Penetrava, entranhava na terra. Não entendi como tantos outros tran seuntes naquela estrada não se deixaram ficar por ela... Continuo explorando meu caminho, avanço um pouco mais a cada dia. Porém, no final do labor retorno a ela, ao seu regaço, aos seus lábios. Feliz por tê-la encontrado, por poder estar com ela! Enquanto a distância a que eu chegar permitir, retornarei a ela sempre!...Seu poder não está em conquistar e dominar. Segredou-me o mistério e nisso fez-se o homem do pó: AMOR!...A peça que faltava encontrara. É só com amor que a vida se justifica... Tremi, tive medo. Tolo que fui quase a perdi, dei-lhe mágoas...Sumindo a bruma fria, vejo agora que não há porque temer...No amor o amor suplementa-se,explica-se! Está além do entendimento da razão... Não se metrifica, canta-se em versos livres... O mundo está reconstruindo-se-me através do amor. A flor me trouxe o que não esperava,tirou-me o que não tinha, criou o que não existia, deixou-nos no que vibrava... TU ÉS MINHA FLOR! Te adoro!
Richard
“Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas, mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo”
Roland Barthes
Aqui termina o e-mail.
Assim abro para vocês leitores e caros parceiros de RE_ Encanto um naco real dessa minha história... parte de um (saudoso, querido) livro (capítulo) antigo. Que vive em algum lugar do meu passado...
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Ficou em Algum Lugar do Meu Passado
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