[Divertimento: o Versátil, o Vário, e o Aluguel de Si]
Preciso me divertir com meus pensamentos banais: eu sou versátil —
sou bom em trocar lâmpadas, buchas de torneiras, troco pneus até à beira de um abismo, com facilidade! Do universo das ferramentas em geral, dos consertos gerais, da eletrônica, da informática, software e hardware, redes, etc., eu passo, de modo natural e simples para as reflexões a que me transportam Arte, a Poesia, e para a consideração [generalista, como eu amo ser] de certos temas filosóficos, ou de aspectos da sociologia...
E isto para não dizer do trilhar das sendas do amor fruídas em madrugadas de lúbricos almíscares: eu sei... eu saboreio a conjugação espantosa de dois corpos entrelaçados nas tramas da dor e do prazer...
Ah, e também, sem perder a suavidade do toque das mãos, posso fazer o caminho inverso, isto é, ir do mundo sensível ao universo instrumental — troco a maldita resistência do chuveiro [só queima em horas ruins] para aquecer o banho de depois de...
Eu estou falando de quê, afinal?! De aluguel, é claro! Numa madrugada azul, perguntei a ela, se por acaso, se ela se alugaria para mim...
— "Por acaso, não, moço, é com certeza! Mas se quis dizer comprar, então é nãoooo!"
— Não... puxa vida, nada disso; falei em alugar, alugar mesmo...
— "Nesse caso, o aluguel de mim é barato... precinho assim, feito o troco de pão!"
Ah, gostei dessa moeda do aluguel — valor do troco do pão! O pão da minha fome, o pão da fome dela — será?
Sendo vário, tenho faces assim, elusivas... Faço o preço do aluguel de mim pela estampa da freguesa, mas o nível intelectual, a capacidade de sedução, a macieza de ser, a nada sutil habilidade de ser folhetim, certamente entram na composição do valor do aluguel!
Muitas vezes, sensivo como sou, aluguei-me de graça, apenas pelo valor do troco do pão da fome de ambos! Em casos assim, eu fui levado pelo perfume da sedução...
Já que é impossível comprar e tomar posse de alguém, concluo, para espanto meu e, tenho certeza, de muitos, que todos nos alugamos sim... mas, falta-nos clarividência, e nos descuidamos, ou nos olvidamos de estabelecer o preço! Depois de chegar ao previsível fim, é passar a vida assim, lembrando a todo o instante que tudo muda, antagonismos se criam, e tudo perece... ou vai em rumo do contrário, pois traz em si o germe da sua própria destruição!
Aí, o cara do bar, que nada entende de dialética, não leu Heráclito, Marx, me olha e me diz: "o combinado nunca é caro, moço!"
Pensássemos nisto objetivamente como aquela moça, e saberíamos que todos temos prazo de validade: o aluguel de si tem preço e prazo; dura enquanto dura o entusiasmo da [co]habitação dos seres!
Torno a dizer... eu sou versátil, sou quase atemporal, e sei ser folhetim; a vida me ensinou efemeridades... E pelo preço do pão [da minha fome], eu vou... Leva-me... mas quando?! Ah, só rindo mesmo, rindo-me de mim mesmo, da minha falibilidade!
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[Desterro, 13 de outubro de 2012]