O CANTO DA CIGARRA
Canta a cigarra
Ou será que ela não canta?
Na verdade a cigarra grita um grito desesperado
A pobre viveu muitos anos como lagarta sob a terra
E de repente começa a subir o tronco para sua metamorfose
Poderá voar à luz em contraste com o chão úmido e frio
Mas
Metaformizada e feliz descobre que lhes restam poucas horas
Então ela grita um grito emocionado
Um grito inconformado
Um grito de socorro quiçá aos outros insetos alados
Ou talvez aos pássaros
Exagera na dose e ensurdece os volantes e os passantes
Ensurdece os que estão nas varandas buscando um fresca
Grita e ninguém "ouve" o seu grito de dor
A dor agonizante de quem ganha a liberdade e por sobremesa a morte
A dor de quem queria viver mais um pouco
E não é assim também a dor do homem
Que ganha asas aos setenta anos
Que quando vai aproximando de zero o seu ser biológico
Sua experiência está em pleno vôo
O livro mais lido do mundo
Diz que sua sorte é melhor que a da cigarra
que decide gritar até virar pó
O o tal livro diz que quanto ao homem
"O seu corpo vai ao pó donde veio
E o seu espírito vai a Deus, que o deu".