pintura/Lilianreinhardt
                             (Memoriais de Sofia Zocha)

                    Zocha fecha os olhos e apenas ouve. Não, não consegue só ouvir, um arco-íris se abre aos seus olhos. A prancha como um leque traz o tépido vento das manhãs nascentes, a alvura das nuvens esvoaçantes, os respingos sutis da quentura do sal das lágrimas reverberadas do  agora.  Aquele verde   fixado intensificou-se e abriu numa grande aura luminosa de róseos avermelhados   e os tons da vida criavam-lhe asas. -Acorda! - murmurava-lhe Sofia. --É hora de almoçar o pastel de vento na cantina do seu Pedro no Tribunal e pegar expediente. Cansada, ela tomava o café surrado sentada próxima  a geladeira ,na cantina tres por quatro, enquanto o velho  italiano abria-se em encômios a sua pessoa e dizia que brevemente se aposentadoria. O próximo aumento seria dez por cento:- Que aguardo com ansiedade!!!enfatizava comendo-a com os olhos desde cima até em baixo. Tinha a voz rouca, o rosto sempre vermelho de delongados e sorrateiros goles de "guasca" era o que Zocha sentia.  A jovem agradece e com a barriga roncando vai ao banheiro. O rosto brilha no espelho, os longos cabelos soltos ela os repara com a escova. Cheiro de latrina desinfetada, no corredor os pés afundam nos  tapetes passadeiras do corredor gélido  do Forum. Fria laje enganadora.Já levara mais de uma hora de ônibus, assistira  aulas até ao meio dia na Faculdade de Direito, na esquina da rua XV, o expediente levará um século até as seis horas. Naquele tempo era assim....Olivetti amada, de teclas amaciadas, píaníssima, como lábios, frutos, ansiosas carícias ..datilografando mandados, precatórias, editais, sentenças , e os sonhos que nunca morreriam !!!... E,   esvoaçavam  pelos olhos, pelos pés, deixando rastros...para onde a levaria aquele braço  verde de rio?