Carta

Tivesse eu coragem, te escreveria contando o quanto ainda te quero, e o quanto me entristece não mais te querer bem.

Eu te diria que me magoa tua falta de atenção, e o alívio que me causa tua indiferença, porque ser desejada não se compara a ser digna de carinho, e, mesmo se me amasses, eu arcaria com o ônus de re-educar tua alma - ávida de pequenos riscos, incapaz de reconhecer um par, e renitente de gestos frívolos!

Eu poderia te explicar que há limites para o engano, tanto o meu quanto o teu, e te diria da alegria que permeia e permite as afinidades, e da tristeza do desencontro... porque certa parte de mim te ama, e muito de mim nem precisa mais te ver.

Eu falaria das esquinas de ruas estranhas, dos desertos, e da dimensão e das horas do arrependimento por recusar aquela gota d'água; contaria da sede, que, de tanta!, consolou o pote... pois não se deve fugir dos olhos de quem demanda ou oferta: é como perder a hora de abraçar e confiar.

Eu contaria das noites inteiras, da falta de fome, dos olhos secos e das mãos quebradas, da pergunta incessante: "eu deveria ter agido de outra forma?", e da retórica: "por que não eu?". Por que ser compreendida é mais reconfortante que ser aceita... e porque nada te pedi que não pudesses comprometer: é só tua idade mesquinha que confunde 'não ter para dar' com 'não ter que dar'.

E, antes que perguntes, não, eu não te falaria: minha voz embargaria e minhas lágrimas nada te diriam - a não ser, talvez, se utilizadas como soda.

Falar contigo seria um gesto de desespero!

Eu te escreveria porque a palavra impressa tem mais eco; escrever-te seria reverberar meu corpo, minha mente, minha saliva e minha decência.

Fortaleza-CE, agosto de 2006

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 23/02/2007
Reeditado em 08/07/2009
Código do texto: T390948
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