Encontro comigo mesma!
Saudade... Linda palavra, porém não tem a força necessária para exprimir o que sinto. Então, de dedos tortos , olhos secos e lábios murchos, volto agora do abissal do tempo a que fui remetida pela intolerância e inclemência do mesmo, e venho de lapso, como colibris sobre a rosa, fazer-te uma visita...Sinto tanto por encontrar-te assim...Sem sonhos, sem risos, carregada de pesado passado, nessa casa sombria de um presente que você não quis, rodeada de lembranças e tristezas que não se vão como o tempo que se foi...Olho antigas molduras na parede,ora dirás, molduras? Sim... Molduras, eu responderei, por que ali já não vejo se não fantasmas vestidos de ti... És o que és agora...Veja, não trouxe o embornal cheio de presentes... Trago mais um pouco de passado para que te recordes dos dias chuvosos de junho, das manhãs ensolaradas de abril, das luas de agosto que nas nossas mentes infantis, eram como planetas soltos no ar, a engolir a nossa terrinha azul... Vem, suba comigo esses degraus que nos trazem de volta à vida... Toma a minha mão... Tu sabes que te ergo! Vem... Desfaz esse nó que te trava a garganta, banha esse teu rosto com essa cascata de águas...Águas más...Mágoas...Rasga esse verbo, desnuda esse teu ser sem ser...Bem te lembras do que juntas passamos...Dos nossos idílios, dos nossos tormentos, da nossa corrida louca em busca do ouro no final do arco-íris... Das nossas longas caminhadas em busca de uma paz que nunca nos esperou, de alegrias que se foram sem se deterem por um segundo, do amor que nunca parou para olhar em nossos olhos...Olhe para mim... Ainda estou aqui... Nada trouxe além daquele passado que já te entreguei, mas tenho você aqui dentro de mim... Sinto falta do quem eras , mesmo antes que tivesses nascido...Espermatozoide, feto, embrião, criança, menina, moça... Mas mulher...Ah mulher, não te reconheço...Pareces outra ...Tão arredia, de olhar distante, como a procurar um horizonte para repousar o olhar cansado...Acorda! Horizontes já não existem... Nossa vida é um eterno ocaso, crepúsculo sem amanhecer... Foram-se as auroras boreais que tingiam de cores mil nossas manhãs... Vês? Não queres dar-me a mão... Há horas te peço...Mas como te peço a mão, se debalde tento erguer a mim mesma desse pântano de desesperança onde a existência me atolou? Espere! Deve haver dentro de nós algo que nos sustente. Que nos faça reviver mesmo que seja por alguns instantes aquilo que passou sem existir... Da cá aquele baú de recordações, aquela caixa cheia de lembranças que guardas aí no teu peito... Desatemos os nós que a amargura fez...Lá dentro talvez reste um pouco do que sonhamos viver, um bocadinho de esperança, uma sombrazinha de prazer escondida num cantinho, já cheirando a guardado, esperando por nós...Vejo que o teu peito está fechado, trancas mil te prendem a ti mesma...Ou será que nos prendem a nós? Fechaduras enferrujadas, laços que não se desprendem unindo-nos para sempre ao que não foi, nem será, por sequer ter existido... Se o coração emperrou, abra então as janelas da alma... São teus olhos, nossos olhos... Olhemos lá fora, ainda que caídas...Há uma réstia de luz na escuridão desse poço abissal... Vejamos se uma mão se nos estende e nos ergue a nós duas... Eu velha e cansada, você prostrada sem esperança... Que venha alguém... alguém assim como o tempo, que tenha por acaso, se lembrado de que nos esqueceu lá traz e volte para nos buscar.... Ilusão... Veja como corre o tempo... Já passou e nem demos pela sua passagem... Agora, já bem perto vejo o fim de uma estrada que percorremos... Nem vimos o seu começo e eis que chega ao fim... Temos muito pouco a caminhar... Depois dela um abismo desconhecido, onde fatalmente iremos cair soltas no espaço da nossa existência vã...Prepare-se...Não temos um destino certo... Nossa estadia está se findando e ainda não sabemos para onde vamos depois daqui... Vem comigo, sentemos nos na soleira dessa casa chamada desilusão e fale -me de ti, que falar-te-ei de mim... De como tens passado, como tens lidado com estas tuas rugas, com essa tua amargura contida disfarçada em esgar de sorrisos... Eu como sempre, assim como me conheceste... Sonhos irrealizáveis, alegrias perdidas e esse fardo pesado cheio de coisas não vividas, de traumas, de angustias... Nada posso te oferecer, como sei que nada me darás...Somos uma e como tal, iguais, irmãs de dores, de pensamentos e de tristezas...Deixemos agora que a nostalgia repouse docemente nos braços das lembranças e vamos outra vez atrás das borboletas, das coloridas libélulas sobre as aguas... Vamos por aqui, menina, por esse caminho de sempre vivas alaranjadas... O caminho é tão mais lindo... Não grite, não espante o beija flor...A rosa se zanga... Depois da curva da estrada há aquela amoreira, lembra-se? De quando nos lambuzássemos com o mel a nos escorrer pela boca. Sentes ainda o sabor carmim? Haveremos de descansar à sua sombra... Espere. Não te mexas... Uma borboleta douradinha pousada no seu ombro....Agora finalmente vejo um arremedo de riso nos teus lábios ressequidos...Que bom que conseguimos encontrar um pouco de alegria....Vamos ao encontro dos ninhos de pardais que guardamos por tanto tempo, com tanto desvelo, a ver se nasceram seus filhinhos.... Olha a clara cascata, ninguém nos vê... Desprenda-se dessas velhas e pesadas roupas... Banhemos nossa alma, veja que o sol já vem... já nos chamam à casa, nossa mãe nos aguarda, ainda que por tão pouco tempo... Paremos um pouco a contemplar essas formiguinhas arquitetas que nos atravessam o caminho...Escutemos o que falam uma às outras, como escutávamos em criança...Olha, hoje nenhuma andorinha morreu de morte de beiral...Não havia névoa cobrindo as paredes brancas...Veja, anoitece... Já nos chamam para os nossos contos de fadas... A noite se aproxima e com ela nossos castelos... Nossos príncipes valentes... Vêm montados em carruagens douradas para nos levar... Não... Não me acorde agora... Sou apenas uma visita... Não desfaças meu sonho...Não tarda a realidade bate à porta...Deixe que ela me chame e me leve novamente em seus braços duros ao encontro daquela que o tempo, a vida e a dor fizeram! E antes que me esqueça, não me esqueças... Que levarei eu lembranças tuas...Lembranças nossas...