Onde o vento faz a curva?
Por Carlos Sena



 
Perguntem às ondas do mar "Oh, ondas já que irmanas o vento, respondes, onde ele a curva faz?". Afinal, onda que leva não é a mesma que traz?

 Ah, as ondas do mar! 
Amar é tudo que sabem senão não seriam do mar. As ondas são mais dos oceanos que os ventos, por isto se me perguntam “onde o vento faz a curva” eu devo perguntar ao mar. O mar ignora quem nele  mergulha, mas se enamora da estrela que nele reside e borbulha com sobrenome de mar. Estrela do mar, então me responde, onde o vento faz a curva? Nas areias movediças ou onde alcança a vista turva?
A estrela sem vida cravada na areia nem não sabe se é peixe, se é crustáceo ou se sendo crustáceo peixe é. Deixou de ser estrela, morreu na maré, convive na areia insepulta, até que um pescador a leve pra casa pra virar artesanato. Não se sente mais estrela do mar, ou o mar se escondeu pra não vê-la triste? Não resiste, pois, dizer ao pobre poeta onde o vento se esconde? Se não se esconde, o vento vira tempestade e por isto não faz curva, nem pega em alto-mar o bonde?
Oh, turva visão, por que não me mostra onde o vento some, onde não há mais água, onde não há mais nome, onde não há azul nem estrela morta, nem cruzeiro do sul?


Soube que o vento faz a curva nos CUS DOS JUDAS.
Lá as plantas são secas, o sol não se muda. Os homens são duros e as mulheres trombudas. 
Lá não há o azul do céu nem há, sequer, o céu da boca das audaciosas albacoras frescas que aos poetas encanta. Poeta se encanta com o sol, não porque seja sol, mas porque tem mistérios. Mas vocês, oh ventos, onde vocês se escondem que não nos provocam mistérios? Acaso acalentam os monastérios da falsa moral que ficam ora de bem com Deus ora com ele de mal?
Acho mesmo que o vento faz a curva em cada choro de viúva; 
Em cada boca da noite que não tenha mau hálito; em cada céu da boca que o dentista não consegue rezar para ver estrelas;

em cada lodo em cada limo no fino trato dos desbocados; 
em cada estribilho da canção que toca nas palhas dos coqueiros; em cada ato falho dos que se julgam filhos da santa mas da puta são herdeiros. 
O vento se faz curva na curva glicêmica dos diabéticos descontrolados da fila do SUS. Curva-se em cada romântico que  desesperado fica nu esperando a namorada aparecer pra ele em forma de cruzeiro do sul. 
Em cada galo que canta na cabeça do moleque da esquina depois de levar uma pedrada. 

Em cada moça virgem que diz isto ao noivo mentindo morrendo de medo de ficar titia. Em cada beijo relâmpago que se rouba de uma tempestade em pleno alto mar. 
O vento faz a curva em cada derrapada dos políticos corruptos. Em cada puta e em cada filho seu que vira político para roubar a merenda escolar dos filhos famintos da pobreza latino-americana. O vendo faz a curva na canção “chupa que é de uva” revoltada com a péssima qualidade das canções enaltecidas pelos jovens carentes de sabedoria. Em cada mãe desesperada pela morte do filho único, morto pela polícia qual cão sarnento, o vento também faz a curva.
O vento faz a curva na Barra do Brejo onde Adão foi inspetor de quarteirão. Onde ficam, então essa Barra e esse Brejo? A Barra fica no Brejo que o nome lhe deu. Lá não tem cama nem camafeu. “Tem muita mata e tem mateu; tem vira lata, tem catirina, tem zabumba e boi bumbá, tem home, mulé e minina... Lá Adão foi Inspetor e Eva Sacerdotisa... Adão correu pra não morrer açodado por Lampião. Eva saiu correndo ardendo em uma pisa, pois assim era Carderão. "Dos Guede, por que não”. Lá Lampião não mandava, obedecia. Madalena não pecava – ensinava a Eva com quantas pedras ume se curam uma mordida de serpente. Enquanto o vento não uiva, faz a “cuiva” no horizonte da Barra do Brejo, meio Portugal meio Tejo, meio queijo meio beijo, mete o bedelho. Bom Conselho que filho não recebe do pai no alto da serra Santa de Terezinha, infinita ermida erguida rente com o céu. Um dia, lá de cima, vi o despenhadeiro a meus pés e pensei quietinho: não tenho dúvida, aqui talvez o vento faça a curva...