Quarto Azul
Que pena que eu sinto de você... eu vejo a sua dor e o desespero em seus olhos ao sentir seus ossos todos sendo dilacerados, sua carne sendo rasgada para que possa parir o fruto de sua vingança... Você impediu um amor de acontecer, usou de armas baixas e sujas para alcançar seus objetivos e quis o destino que em sua total fragilidade, fosse em minhas mãos que tivesse afago, alento e alívio neste momento difícil... É em meus olhos que enxerga a bondade e em meus lábios, as palavras que te fazem acalmar... Justamente você, que tanto mal me fez, que tantas vezes me fez chorar, você que me tirou o sorriso do rosto... Logo você, que tem em sua cama o amor do homem que é a razão de meu viver… Eu vejo a sua dor... É como se eu sentisse a mesma dor que você... Na realidade, é como se vivesse toda a dor que me fez passar... É como se fosse justiça, só que não... Eu vejo a sua dor, seu destino é sua penitencia... Nem ao menos consegue parar de chorar, nem fixar seus olhos nos meus..... deve ser horrível ver tão de perto a sua maldade fracassada, eu sobrevivi a você... Carrega em seu ventre o fruto da sua vitória estúpida, que agora suga sua última gota de energia, que te faz esvair em sangue... É o fruto da sua inveja, da sua ira, do seu ódio personificado... De que adiantou, querida? De uma alma seca, só poderia nascer um fruto morto! Sinto muito... A sua escolha foi uma vida triste, regada por uma vingança idiota! Você apagou o sorriso de uma criança que seria fruto de um amor verdadeiro, de uma vida feliz... Você criou intrigas, dor, sofrimento... Não lamente a morte, ela é o que te resta, é o teu alívio... Era isso que te reservava o destino, o poder de suas escolhas... Eu amei com todas as forças do meu ser o homem que agora chora, lamentando a morte do filho esperado... É dele meu coração, é dele minha vida, é dele minha alma.. Nunca pude chorar a perda que me impôs tão friamente, em nome de sua obcessão... Entre outonos e verões, passei minha vida amargando inverno eterno, aguardando uma primavera que não veio... Enquanto nos seus braços, entre seus dedos, nos seus lábios, no seu corpo, estava a essencia de minha vida... Foram anos sendo torturada por desejos impiedosos, por tristeza profunda, depressão severa, morte lenta... Senti meu coração morrer a cada dia e a alegria ser enterrada no meu jardim de solidão... Lá mesmo, onde hoje você enterrará seu filho, é onde jaz meu coração... Hoje você enterrará seu filho, um pedaço de você, uma manifestação da sua ira, da sua vingança, da sua obcessão desmedida e desnecessária...
Hoje você sente novamente uma vida se esvair de suas mãos, mas dessa vez, ao contrário, nenhum sorriso de escárnio perfaz em seus lábios... É a dor em ritual fúnebre, é a boca serrada em grito oprimido, é olhos espremidos em descrença... É horrível voltar para casa e desarrumar o quarto azul, porque seu filho não estará nele, porque não haverá alegria nem cheirinho de bebê... A casa vazia te causa histeria, o quarto azul é o lugar de onde não pode sair, e isso te leva a loucura, a cama vazia te ceifa a sanidade... A luz fraca, os brinquedos espalhados no canto, seu ventre ainda sangrando... Seus seios jorram alimento, enxarcando sua blusa, esfriando seu coração... Tire essa faca da mão e esse pensamento tolo da mente... Essa não é a forma de resolver as coisas... Há um jeito certo... É ter mais calma... Não se maltrate assim... É o seu pedaço que se foi, mas há muito de você... Se reconstrua.... Ainda há muito a acreditar... Ainda vale a pena... Não me peça perdão, abra essa porta! A sua loucura não é madura o suficiente para entender seus atos... Não seja egoísta e não trame angústia...
Não tenha mais lágrimas regando seu jardim... Olhe nos meus olhos, isso não pode ser seu fim... Não lamente sua morte, lamente o seu jeito de morrer.. Não me peça perdão, não é assim que se resolverão as coisas... Não é trocando a pintura da casa, os móveis da sala, os lençóis da cama... Os porta-retratos terão as mesmas fotos e a sua imagem macabra percorrerá todos os cantos do jardim de almas que você mesma plantou... Ainda cercará de lágrimas e angustias vermelhas os dias que restarão onde o amor pincelará seu quadro, seu sangue manchará toda a pintura... Não haverá paz onde houve você... Não me olhe com esse olhar vidrado... Eu vejo sua vida se esvaindo em cada pedido de perdão... Deixa a alma ficar, deixa a flor se abrir... Joga essa faca no chão... Não feche os olhos para a vida... Não lamente sua morte, lamente sua forma de partir... Sua respiração te causa dor e você implora para partir... Não depende de mim sua liberdade, se puder ser borboleta, apenas voe... Não me peça perdão, não sou capaz... Sua penintencia já cumpriu aqui, quando plantou a mais linda e pequenina alma no seu jardim... feche os olhos e descanse... Deixe a casa para arrumar...Tudo será novo quando voltar a existir... Isso é o melhor de mim que posso ofertar para você... Haverá algo novo, talvez menos denso, nem tão pesado e seus olhos enxergarão uma nova realidade que te fará melhor... Poderá, enfim, colher as almas de seu jardim...