Na aldeia pobre, no Ponto da Capadócia, cultivavam ao longo do vale um pouco de trigo e de legumes. Era lugar de paz. Mas quanto trabalho para conseguir alguma coisa... Quando não faltava água eram os gafanhotos, se não havia gafanhotos, eram as lagartas. Além disso chegavam dos arredores os coelhos para devastar aquele pouco de verdura obtido com tanto esforço. Oram obrigados a colocar armadilhas e estas arranjavam um pouco de carne que não era má, desde que não fosse de raposas ou de chacais.
         Uma tarde apareceu nos céus um bando de cegonhas: era a primavera. Dando amplas voltas, o bando desceu ao vale para pernoitar. Uma bela cegonha pisou justamente em cima de uma armadilha. Passou a noite perdendo sangue. Morreu apesar de todos os esforços feitos para salvá-la e foi sepultada junto ao vale.
         Foi então que começou o drama. O vôo das cegonhas prosseguiu mas o companheiro da cegonha morta permaneceu no vale. Naquela mesma tarde do dia do sepultamento o pobre animal desceu perto do jardim, no mesmo lugar em que a companheira tinha ficado presa, indo e vindo de um lugar para outro, soltando gritos no seu grasnar.
         No dia seguinte foi a mesma coisa. O vôo das cegonhas já devia ter chegado ao Mediterrâneo e o animal ainda estava procurando a companheira.
         Lá ficou o ano inteiro. Pela manhã saia à cata de alimento e ao por do sol destacava-se no céu sobre o jardim e descia no mesmo lugar gemendo, procurando e dormindo lá onde talvez sentisse sobre a areia o sangue da companheira.
         Todos se acostumaram com a cegonha e ele com todos. Era impressionante ver aquela criatura sensível ao amor e carícias de todos da aldeia que, sentindo-se responsáveis por aquela viuvez, multiplicavam as atenções com pedaçoes de carne e pedaços de pão molhado. Seu olhar, movendo para o lado a cabeça e o grande bico era impressionante. Quase sobrenatural.
         Na primavera seguinte chegou ao vale no Ponto, outro bando de cegonhas e ele partiu para o norte, para o Mali, talvez, ou Níger, a percorrer centenas de quilômetros sem bússola, sem radar, sem mapa, para fazer com a nova companheira um outro ninho.
         Quantas vezes, Alá seja louvado, penso naquele animal para encontrar um paralelismo ou explicar o abismo que existe entre a natureza animal e a natureza do homem. Assim também, assalámu alaikum, entre a natureza do homem e a natureza de Deus existe um abismo intransponível. É a transcendência.

 
Byülki
Enviado por Byülki em 26/08/2012
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