Problemas de ordem inspiratória
Não posso mesmo escrever mãos assim inexpressíveis, imutáveis, intangíveis aos olhos da poesia. Admito a pelo menos oito meses não escrevo nada! Eu sei, eu sei! Através de oito meses pessoas nascem, morrem, plantam avencas, guardam fotografias antigas e se despedem do jeans 38; tanto pior, pessoas passam e não vejo ou ouço. Oito meses esperando parição de pensamento. Oito meses sem um poema! Talvez precise de espaço, precise de verbos, precise uns olhos de ressaca da moça Capitolina. Oito meses. Oito infindáveis meses sem escrever absolutamente nada. Oito meses sem gozar e sem direito de bem querê. Uma falta de bem querê, um não olhar e ver de repente é saltar a corda do poente esperando que talvez outro possa ser.
Posso escrever um poema,
sinto-o aos poucos;
um calor queima os olhos
caminho estreito entre coxas perfeitas
e sãs!
Posso fazê-lo.
Posso fazê-lo de sã consciência, posso depurá-lo aos poucos como se faz com o amor. Terei todo o tempo que me for concedido para fazer este poema.
Virá a ser poema de amor inoportuno, poema abisal, poema louvor, cântico de graves escolhas, cântico pão amanhecido pertinho das portas do céu. Pertinho das pregas do bar. Assim escreverei um poema que me escreva inteira, e me precisará Muito mais do que eu mesma necessito.