Dói

Se me perguntam porque dói, não tenho a exata resposta, dói porque dói. Dói desde a tenra idade, desde o berço, desde os terços e as terças. Dói pelos pés descalços que uma dia pisaram pedras, dói pelo frio, pela fome, pela saudade. Dói pelo sopro que faltava, o ar que condensava no leito escuro da existência. Dói pelos fantasmas, tantos e tantos arranhando janelas, as dos olhos, as dos poros.

Dói pelo caderno que não veio, pelo livro no alto, sempre mais alto, longe dos dedos. Dói, só dói. Como se não fosse possível vislumbrar entre as letras, o verso e o verbo no caminho do meio.

Tão ao abismo, tão à margem encontra-se o espelho, que os riscos em linha reta e as cores doces, perecem e fenecem de fome e de sede. Serenos e profundos anseios aceitam calados a asfixia e o voo sem volta ao precipício.

Dói a nota dissonante, dói e farta-se de beleza a melodia um dia executada sempre sem volta, sempre surda e torta. Doem os membros amarrados e costurados exibindo-se diante das lágrimas daqueles olhos fechados, tão centrados no breu de seu eu. Olhos que tão cedo deram-me as costas. Tão longe das mãos. E entre paredes frias condenou-me ficar do lado de fora, condenou-me ao exílio.

Dói o passo da bailarina que ainda crê na beleza dos dias, dói o tombo que é sempre mais preciso do que qualquer cisne, branco ou negro...

Dói a inocência que irá perder-se pelos ralos, pelas valas, pelos ventos. Vencida inocência em retirada.

Dói porque dói, sangra, dói... Dói porque é pó, só pó, a carne que se esconde em concha e finge ser pérola rasgando a alma do tempo.

Almma
Enviado por Almma em 14/08/2012
Código do texto: T3830630
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