Pega a receita

Ingredientes

Pega umas ervas de azedume,

e especiarias à base do estrume das vacas.

Seis colheres de terra roxa.

Alecrim e pó-de-trouxa.

Um maço de olhos cansados

e marejados no infortúnio.

Sal a gosto (ou desgosto que lhe convier).

Modo de preparo

Pega chatice, quebrante,

quebrada.

Pega sarna, verme

e tosse.

A pegada pega na lama

e a cama pega

a forma do corpo.

O modo torto,

arcaico e grotesco pega.

Pega doença,

delírio e descrença.

Resistor e resistência.

Abandono e desistência.

Pega a cadência que cai,

pega a demência que vem.

Clemência partiu

naquele trem.

Bate, pica

mói e tritura.

Ferve, congela

e dói a moldura

no grito de alguém.

Pega o que eu te dou,

pega com todo o cuidado.

São onze mil oitocentos

e trinta e nove centavos.

Pega e leva contigo

para gastar nos bares

e baixos prazeres.

Pega esses dizeres

e queima-os na brasa

do teu olhar.

Pega no ar o que sobrar.

O resto gosta mesmo

é de estar por aí,

como mulambo a vagar.

Pega-pega pegajosa,

essa letra muito lenta

desonrosa e desatenta

me desceu a canaleta.

Pega-pega pegador,

essa letra muito rápida

derruba a santidade do andor.

Pega-pega, pegação!

Acode os teus desejos

fisiologicamente ou não.

Esconde-esconde.

Pega e leva onde

ninguém os veja.

Pega e beija o infeliz

de um furtivo flerte.

Pega o silêncio

e costura nele tuas injúrias,

já que nem mesmo dia de sol

pode amainar essas fúrias.

Pega o farelo

e o amarelo dos sorrisos.

Pega a frouxidão das pernas

e das palavras frouxas

saídas de bocas tão sãs.

Pega na vaidade

e no âmago das coisas vazias.

Pega as vasilhas, panelas

e ponha nelas tuas ausências.

Pega a versão do programa melhorada

e a moeda na calçada

que é pra dar ao próximo

que com certeza pega.

Pega aversão à pobreza

que a realeza oprimiu.

Exalta e brada a grandeza

nas costas do tolo servil.

Arrota e flatula

enojando a leitura.

Solta os cabelos, os bichos

e os pelos que te escapam.

Pega a divindade

e serve a ela um licor.

Diga que o amor só é pleno

quando total, sem dogmas.

Pega o que há de pegar

antes do fim.

Coube a mim o papel

da rudeza, do ruído.

Pega esse estampido

que te zune no ouvido

e dá com ele de pensar.

Por favor!

Pega o lixo do chão

ou a mão de quem possa ajudar.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 13/08/2012
Reeditado em 13/08/2012
Código do texto: T3827555
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