O homem das flores

Tenha sempre caneta e papel em mãos, dizia minha irmã quando éramos adolescentes. Ela achava que eu pensava demais nos causos da vida e que, portanto, deveria encontrar um mecanismo para registrar as prováveis soluções se não de todos, mas de pelo menos grande parte dos problemas da humanidade.

Decidi então comprar um gravador de voz, ou seja, o registro seria feito na seguinte ordem: pensamento, gravação e escrita. Ainda não adquiri o tal equipamento. Racionalizei que poderia estar sendo indiscreto com a essência do que se queria registrar. Sou homem das flores. Aos de anos de idade, comecei a trabalhar em uma floricultura instalada embaixo da minha casa, a poucos metros da escadaria. Não porque precisasse, mas queria conquistar independência financeira. Tanto insisti que minha tia arrumou o serviço. Minha principal tarefa era tirar espinhos de rosas e limpar as flores que seriam usadas nos arranjos. Pegava no batente às 14horas depois de voltar da escola e almoçar. Com o primeiro salario, comprei uma pizza de atum para toda a família.

Apaixonei-me pelas flores. Manuseá-las dava-me grande prazer. Sou homem das flores:

Em alguma lua areia não namorei

Existe alguma estrela guia que não contei

Um brilho nos olhos não notei

Algum mistério não decifrei

Naquela estrada linda não caminhei

Voltando ao registro do pensamento. Não há investimento mais barato do que comprar caneta e papel – comentou comigo, certa vez, o professor de poesia Fernando Karl. Ele queria que eu fosse ladrão de raio. Mas tem de ter luz – indaguei. Se bem que escrever no escuro pode lá ter encanto. Porque temos que ser retos se na vida também há curvas?

Soube que inventaram um pequenino iluminador, próprio para leitura, à base de bateria. Meu amor disse que me dará um de presente hora dessas, desta forma poderei iluminar a escuridão sempre que for necessário. Meu amor, o encontrei caminhando lentamente numa tarde de outono pela Avenida Barão do Rio Branco. Quero adentrar, hora dessas, na Igreja matriz Puríssimo Coração de Maria, para casarmos. Ela é menina linda de fino trato.

Às vezes

Avião no Céu

Parece estrela

Às vezes olho Olimpo

E lembro dos Titãs:

Devia ter trabalhado menos,

Ter visto o sol se pôr.

E aqueles homens bêbados e molambentos na praça, que fizeram de suas vidas? Desistiram de si mesmo? É certo que pessoas têm poder porque alguém o dá a elas, mas nem tudo deve ser plural. Quando um talento é desperdiçado por alguém, Deus o retira e dá a outro.

Nas Cenas da Cidade:

EU

TU

ELE

NÓS

Não estamos sós

De volta ao registro. Não comprei o gravador de voz, mas nesse momento minha memória seletiva retém a lágrima da menina.

Dei-lhe uma rosa bem cuidada e pronunciei:

Menina triste de fino trato

Como tirar essa lagrima do seu retrato

Se eu não tiro a trava do olho?

Sou homem das flores.

CRISTIANE COSTA CORES
Enviado por CRISTIANE COSTA CORES em 09/08/2012
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