P R E T E X T O S
Por Carlos Sena



 
A pretexto canto. A pretexto conto. Conto que canto, conto que janto. A pretexto junto: o mundo, o fundo, a funda vontade de tudo ser pela incapacidade de dominar o conhecimento. Escrevo pela profunda necessidade de me pagar o que devo por coisas que nunca fiz, mas que certamente terei que executar. Por isto sinto a vida toda em meus pretextos, prova que estou vivo, redimido pela criação na forma de criatura.
Cada dia por si me define novas estruturas de pensar. Pensar em tudo que não fiz e tentar fazer sem muita certeza, porque há necessidades fora e dentro de mim que preciso decifrá-las para poder melhor me conhecer. Na medida em que vou me definindo em novos pensares, recrio-me em novos pretextos para romper com os dias ensimesmados de solidão. Parece mesmo que a solidão tem sido o grande dilema da humanidade e por isto também encontro pretextos.
Cada dia por si se justifica. Alguns não. Há dias em que a gente não se justifica a nós nem ao próprio dia, porque parece que a vida nos separa de algumas convicções que julgamos indeléveis. Por isto canto? Por isto desisto de coisas começadas? Por isto rejeito convites para noitadas?
Um dia a pretexto de ser gente – era assim que na minha cidadezinha se dizia com quem vencia na vida pelos estudos, fui estudar na cidade grande. Pequena era minha alma medrosa e insegura, mas eu tinha que ter motivos, pretextos para seguir em frente. Nem sempre a dianteira da vida me garantia seguir, mas eu prosseguia como se na próxima esquina o destino me presenteasse com novas propostas... Muito me propus, a pretexto de vencer na vida! O placar da existência nem sempre me favorecia, mas eu dormia na rua se preciso fosse, mas não foi preciso... Há precisão em cada hora que a vida nos reserva em seus ditames que a gente chama destino. Muitas vezes a gente pensa nos pretextos que a vida encontra para nos por à prova. Prova sem os nove e por isto complexa demais pra gente ir sozinho em frente. Por isto os pretextos. Muitos deles criados, outros ditados pela vida que nem sempre percorre os caminhos desejados. Ela, a vida, gosta também de maltratar quando confunde nossos destinos e quando não confunde nos obriga a seguir o riscado do nosso trajeto futuro. Por isto escrevo? Atrevo-me a pretextos mil. Mil e uma noites. Uma noite apenas para o desfrute do amor visceral que é capaz de não ser capaz para não nos conceder o eterno.
A grande frustração do homem é ser vencido pelo tempo. Quando o tempo faz isto, retira de nós a capacidade do eterno que muitos buscam. Essa busca é pretexto de vida longa, embora seja obvia a brevidade dela. Mas essa não foi aminha frustração. Eu venço todas do meu jeito e faço pretextos para ganhar de todas elas. Das coisas que além eu faço estão as invenções que me determino como forma de sobrevivência. Então eu invento que sou DEUS. Quando Deus me faz raiva eu me transformo em SATANÁS... Quando abuso dos dois tomo uma dose de uísque e lhes pergunto “por que vocês não se unem” para que o mundo tenha sossego e vocês deixem de brigar?
Anoiteço. Dentro de mim há vários crepúsculos coloridos que atormentam a burguesia falida e preconceituosa. Amanheço. Dentro de mim todo dia se acordam infinitas ideias de ser feliz que se nutrem do sol a pino, buscando a fotossíntese que me enche de luz e me incendeiam sonhos a pretexto de nada. Um dia quando NADA virar algum motivo e quando todos os motivos se transformarem na partícula do tempo, então não terei pretexto algum para escrever, sonhar e ser feliz.