A TEMPESTADE
Na modorra da morna tarde de Belém
voa serena
uma graciosa garça morena
e se perde no infinito.
Distante, com a garça,
vai o meu pensamento.
De tão quieto e absorto
quase não sinto a brisa
que me acaricia o rosto.
De repente,
a brisa se torna vento,
vento forte,
ventania.
Plena de uma força telúrica
a tempestade chega,
envolve-me por inteiro,
revolve os meus cabelos,
agita o meu corpo,
fustiga-me com a violência dos seus ventos
e, por um instante, me assusta
e descompassa as minhas pulsações...
Um pouco depois, já refeito,
menino travesso,
eu, maluquinho, no meio da praça,
solto na tempestade,
ao sabor do seu rodamoinho,
recebo os ternos afagos das gotas da sua “chuva/suor”
e saboreio o seu agreste cheiro de terra e mato.
Ouço seus rugidos, bramidos, gemidos,
e desfrutando do pleno prazer da tempestade amazônica,
abandono-me sem sonhos ou esperas.....
Olho em torno, e a cidade não existe.
Tudo o que há é um céu escuro
e esplendidamente revolto,
a tempestade e sua lúdica fúria
e um menino maluquinho livre
que corre solto
sob a chuva forte.
O mundo parece desabar
naquele instante eterno.
Aos poucos, porém, a tempestade
exausta do orgasmo telúrico que provoca e sente
desfalece e vira brisa e chuva fina....
A cidade já refeita volta a existir.
As pessoas andam novamente nas ruas.
No resto da tarde tropical,
cortando os céus de Belém,
volta a graciosa garça morena
com o seu voar rumo ao ninho para o pernoite.
A tempestade agora é apenas lembrança,
ruas molhadas
e restos d’águas a correr nas sarjetas.
No meio da praça
o menino maluquinho
olhando a garça
brinca e sonha.
Sonha talvez com a próxima tempestade.