[Ritmo Binário]

As consequências da vida que levei me trouxeram a este não-lugar, a este não-ser. Quando dei por mim nesta manhã, foi como se o filme de tudo passasse ao contrário. Vi imagens desconexas, vi fragmentos de imagens, retalhos de lembranças. E vi com muita nitidez todas as vezes em que fui ridículo. Ninguém esquece o ridículo que foi. Ainda me doem aquelas situações absurdas...

E por que finjo ter tanta certeza dessas palavras que escrevi acima? Ora, é certo que nada é mais confiável que a posição do sol como referência de tempo... e também, é certo que, para os olhos, o ouro das alamandas é mais ouro quando o sol ainda não passou pelo ápice. Estou sendo ridículo... outra vez. Afinal — já aprendi que tudo é, e também não é: será mesmo impossível deslindar o Não contido em todo Sim?!

Mas agora, dei aquele passo crítico, e aquela desistência afundou-me em devaneios... tão intensa foi a minha viagem pelo reino das possiblidades abortadas, que a noção de tempo, tal como surgida da minha relação com as coisas, desparecera completamente. O tempo é coisa minha, e passa, sei que passa, apenas por que eu estou vivo; apesar de que mesmo isto é incerto — já me desmaterializei entre as gôndolas de um supermercado! É óbvio: quando eu morrer, o tempo para!

Eu não mais consigo ordenar os eventos: o filme da minha vida passa continuamente diante dos meus olhos, porém, com cenas de épocas distintas intercaladas, cenas explícitas de atitudes conflitantes. Raramente os quadros têm alguma sequência lógica — amava, não amo mais; gostava não gosto mais; queria, não quero mais; corria, não corro mais — e noutra sequência: amo o que eu não amava, gosto do que eu não gostava; corro nas situações em que eu apenas caminhava; calo-me, diante de situações em que eu falava...

O que me torna diferente é que eu não ostento certezas — na verdade, acho mais excitante viver a incerteza. E creio que assim, eu vivo melhor, pois vivo o binário ritmo da vida — quando eu penso que sim, também penso que não — e isso me basta! Invado impossíveis tempos: se surge uma narrativa de um trecho da minha vida, as cenas se embaralham e eu, já grande, moço feito, volto a ser criança: sonho, vejo-me crescido, e tentando dormir num berço, ou vejo-me menino, caindo de uma cama de adulto — quem sou eu, afinal?!

Exercer minha ambiguidade e levar ao máximo o binário ritmo da vida... ou não... ou sim... Ah, deslindar o Não contido no Sim — ou o contrário disto, tanto faz! A dubiedade que me salve de mim, e de ti!

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[Desterro, 01 de agosto de 2012]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 01/08/2012
Reeditado em 02/08/2012
Código do texto: T3807650
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