Crescendo nos anos 90

Você tem que entender que tudo é muito difícil para quem achava que bebês eram comprados no supermercado.

Aos sete anos minha mãe me dava maracujina para controlar meus pavorosos ataques de histeria que a fizeram achar que ser mãe era padecer no inferno mesmo, com doze anos tomava antidepressivos e hoje tomo doses cavalares de qualquer coisa que possa matar algumas células cerebrais.

Um, dois, três, cento e vinte e sete carneirinhos e não consegui dormir, então decidi ficar acordada, está um dia tão bonito, o sol está nescendo, e um dia bonito me dá vontade de... sorrir!

Passei duas horas na companhia de uma bolacha com recheio de chocolate, queria comê-la mas ao mesmo tempo sentia que não deveria comer o único ser com quem poderia conversar.

Tem uma caixa de leite na geladeira e logo ele irá estragar, mas ir até a geladeira, abrir e tirá-la de lá será uma operação demasiado, demasiado grande. Quero dormir mas não tenho sono. Meus pés estão agitados.

Lembrei da menina que morava no apartamento de baixo, a Luana. Ela tinha seis anos e gostava de despedaçar suas bonecas. Arrancava cabeças, pernas, braços, olhos. Eu adorava vê-la brincar... mas Luana cresceu e agora não brinca mais.

Você tem que entender que tudo é muito difícil para quem passa a vida se apoiando em televisões, videocassetes, videogames, Internet. Tenho a sensação de que tudo vai desabar. Talvez por isso não consigo dormir... a vida é chata. Sinto saudades da Luana e das bonecas despedaçadas. Sinto saudades da bolacha que comi, converso com a cama e as paredes.

Mas tente me entender... você tem que me entender.

Dawn
Enviado por Dawn em 27/07/2005
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