Duas da tarde na sala de estar
A música é insuportável. Mulheres parecem ratinhos enfiados em suas tocas imundas, fungando atrás de restos de bolacha de chocolate. Lamentações e ganidos agudos, histórias desgastadas e melodias gordurosas.
Célia se senta no sofá todos os dias às duas da tarde. Liga para Suzana. Fala dos filhos, do que comeu no almoço, do ex-marido que não manda pensão e da estrela da novela das oito que casou com um homem vinte anos mais novo. Suzana diz que sua filha é amiga da prima do namorado da irmã do rapaz, que jura de pés juntos que na verdade ele tem um caso com o filho da atriz. Às duas e vinte, muda de posição, descruzando as pernas. Célia tem varizes.
A música continua, insuportável. Mulheres se enterram em revistas de fofoca, mulheres defendem a pena de morte enquanto descascam cebolas, mulheres fingem orgasmos toda noite, mulheres aprendem a fazer bolo de chocolate com recheio de musse, chantilly e cobertura de marshmallow e depois aprendem a perder dez quilos em três dias, mulheres limpam o pó do porta-retrato, a foto da família feliz. Mulheres queimam cruzes, mulheres pedem a Deus uma geladeira nova. Mulheres são, ainda, mulherzinhas.