Do Inverno...
E então entra e senta-se na sala de estar: o inverno. Tímido, ainda moço, adentra-se pelos quartos, pela cozinha, banheiro, pelos cantos, pelas plantas, amadurece e a velhice, espera... Pode ser belo, não nego... Nem discuto, nem refuto do bonito e transparente cristal - metamorfose da água - do bonito gelo nos campos, do cheiro gostoso de chocolate quente.
Da roupagem que desfila pelas esquinas, dos cachecóis, das botas, dos acessórios, café com leite, um livro, uma sopa, um suspiro, um abraço... Não, disso tudo não é justo o refugo, admito.
Mas meus olhos, talvez nostálgicos, mais folhas do que flores, alongam-se pelas veias dos mantos frios tingindo a carne ao relento. Dolorosa carne, de tão fraca foi ao roxo, de tão fria foi à agonia.
Carne de bicho, carne de gente, carne da gente, carne crua em almas diferentes. Carne que ao sabor dos ventos, ao sabor do tempo, ao sabor dos nomes, da fome e da sede é invólucro. Sente, sangra, pressente, tem medo do frio e de gente.
Maldita carne que alimenta a terra, as estações, os vícios. Quem sabe, os deuses. Mas é inverno, é necessário, é lápide dos insetos, é terra preparando novas sementes.
Moço, ainda moço o inverno, em meses envelhece e fenece. Mas ainda é moço. Moço bonito de duas faces, aconchego e desprezo. Moço de frio e ossos, moço de mãos poderosas, de brancos dentes.
E essas letras minhas, caminham, fossem tentáculos pelos horas a observar o dia. O frio, o dia. As faces, as lágrimas, os pés no chão, a criança que chora. A velhice nos olhos ainda tenros, já gelo.
É inverno... Caminham desnudas, as letras. Arrepiam-se as almas e os medos.