Os ovos do Seu Manoel e o poder de síntese

Lembro vagamente de um texto didático que vou tentar reconstruir, a ideia, pelo menos.

Seu Manoel estava tratando com um pintor letrista para que escrevesse um cartaz anunciando o produto em destaque na sua mercearia.

“Aqui nesse estabelecimento, vende-se ovos frescos” era o texto para o qual, pediu orçamento.

- Cem reais, disse o letrista.

-O Raios, assustou-se o Manoel, fora de cogitação, muito dinheiro. -Bem, posso fazer por menos se “enxugarmos” o texto.

-Como?

- Se o anúncio estiver colocado aqui, elementar que esse é o lugar, de modo que poderemos suprimir a expressão; “Aqui nesse estabelecimento”.

-Bem pensado, “vende-se ovos frescos” basta. E quanto ficaria? -Sessenta reais.

-Muito dinheiro ainda.

-Bem, insistiu o pintor, podemos resumir mais, afinal, um ambiente público como esse e produtos expostos subentende comércio, de modo que não precisamos escrever “Vende-se”, todos entenderão. “Ovos frescos” quarenta e não se fala mais nisso.

- Muito dinheiro por um anúncio, vê lá o que podes fazeire por vinte reais.

-Bem, volveu, ninguém há de supor que os ovos à venda não sejam frescos, portanto, escrevamos o essencial. Ovos.

Em muitas situações, o poder de síntese é precioso, enriquece redações, enobrece discursos, quando alguém consegue verter o essencial sem maiores acessórios.

Nas criações poéticas, por questão de métrica, rima, e outras variáveis, às vezes “inchamos” o texto, pois, além do teor, almejamos a beleza da forma.

Como as “razões” do coração são sensíveis, antes que inteligíveis, nada mais repetitivo, enfadonho, que o pleito de um coração apaixonado. Ainda que se possa reduzir a uma palavra, como os ovos do Manoel, todas elas, as mais lindas e bem ordenadas, parecem insuficientes.

Fazemos as letras cantarem nosso amor em prosa e verso, para, nos versos seguintes, entoarmos o recanto das letras, ( num trocadilho com esse espaço).

O sentimento não dá a mínima para ser sábio, e dá vida, para ser conhecido.

O coração dá as tintas e pinta copiosamente, pois, nesse caso, o essencial não é uma palavra, mas, uma fonte; essas, não podem ser interrompidas; se represadas, acumulam ao limite do dique e extrapolam.

A águia que foi criada para as alturas perde sua beleza se confinada; o amor, que também habita lugares altos, não pode ser represado, pois essas, as represas, demandas baixios, vales.

Em definições de relevo, esses lugares são conhecidos como depressões, que hoje se usa como metáfora para definir estágios psicológicos, introspectos, sofredores, autocomiserados...

A grandeza de uma decepção é inversamente proporcional à dimensão de um sonho, uma expectativa, e o doidivanas do amor lida muito mal com isso, aliás, é espalhafatoso, fanfarrão, presumido dono do céu lua e estrelas, com as quais “paga” suas promessas.

Agora que o bom siso deu uma canja e fez ver a real, fiquei sem graça de manipular o universo para conquistar meu amor, afinal, devo aprender parcimônia com o Seu Manoel, e pintar só o essencial, TE AMO.