Não ponha reparo não,
é só um bocado de solidão,
(coisa que não dói nem nada)
e com o que a gente acostuma,
que ninguém vai me querer assim.
Tenho cinquenta anos e não pareço,
Tenho cinquenta anos e me esqueço,
Tenho cinquenta anos e não cresço...
(Na viagem levo a infância como clandestina).
Mas não padeço de nenhum desses dois medos,
aqueles medos que só gente grande é que tem:
um é de morrer (é sim!) e o outro é de viver.
E eu só sei que uma história acaba bem ali
no rabo de uma outra história que começa.

Não repara não, essa tristeza...
Desde sempre foi assim.
É que fico olhando por demais para dentro das pessoas
e os meninos e as meninas ali neles tudinho preso...

Não repara não, essa melancolia...
é de tanto saber o que vocês não sabem,
é de tanto sentir o que vocês não sentem,
é de tanto querer o que vocês desperdiçam,
é de tanto guardar o que vocês não tem.

Repara não, essas palavras...
elas são o meu brinquedo favorito
e é com elas que eu mostro e escondo tudo.
Repara não eu chegar assim de mansinho,
com a fome de antes de ontem
e a sede de depois de amanhã,
que não fui feito para ficar preso no tempo
(essa gaiola de ouro que todo mundo aceita...)

Repara não, essa minha vida...
que não tem nenhum disfarce,
que não tem nenhum enfeite,
que não tem nenhuma mentira bem feita,
que tem só essas verdades inacabadas,
essas coisas tão lindas ditas pela metade
(quando todo mundo só ouve a metade errada...)
E não tem grandes coisas, que eu sou bem pequeno
e me fiz assim só para caber na miséria do mundo,
esse jardim pisoteado que teimamos em não refazer.

Repara não, essa minha morte...
ali à espreita, a danada, em cada esquina,
a me seguir faminta como ave de rapina.
Pensa que eu não vejo ela me olhar
e querer me dar um susto e me por medo,
ainda que me leve quiçá assim em segredo,
num doce degredo me embalando com ternura.

Repara não, esses meus poemas...
doeram todos também e bem mais em mim;
e não lê, se for o caso, que é só um poema,
coisa para ser sentida mesmo antes de escrita,
e também vivida talvez bem depois de lida
ou talvez apenas para tocar de leve
a ferida ardente do teu silêncio...

Repara não, isso é de saber...
que até que sei bem onde é a porta,
mas prefiro preferir sempre as janelas
e entrar por elas, sair, passar por elas.

Repara não, esses meus olhos...
queria parar de olhar tanto as coisas!

Repara não, essa poesia...
Vã, inútil, sem graça e vazia.
Não sei se eu queria,
ia largar dela mas não sei se podia,
coisa que é tão complicada e eu tão simples,
por não ser composto e até um tanto decomposto,
de viver espalhado por onde andei
e me juntando só ali aonde nem fui...

Repara não, esse amor...
Dei de amar e não sei se devia!
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 23/07/2012
Reeditado em 06/05/2021
Código do texto: T3793825
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