AO TRABALHADOR SEM NOME

A névoa já dissipara,

naquela manhã pequenas

nódoas brancas ainda

resistiam

Nada se lhe atraia

mais atenção

que a névoa

Tinha por ela certa admiração;

dizia, para si, nunca em público,

que a névoa lhe transmitia

uma paz que não encontrava

noutras estações.

Assim, por muito tempo,

conduziu sua vida:

falava pouco e com pouca gente,

não gostava de reuniões sociais,

nem de festas comemorativas

Era possuído de um querer ficar só,

que aos olhos do povo tornara-se,

sem que ele soubesse,

motivo de comentários

Não era um misantropo;

só não tinha paciência, nem obrigação,

de ser complacente

com a mediana hipócrita daquela sociedade

Gostava de estar junto dos operários;

com eles sentia, e não cansava de repetir,

que a vida se mostrava em toda sua realidade e crueza

Encantava-se ao vê-los unidos, faladores e beberrões

Chegava às lágrimas quando lhe diziam

que ao patrão

nada mais lhe restava senão o desprezo dos trabalhadores

A névoa já dissipara,

e junto à linha férrea

uma multidão observava, atônita, um corpo

Ele se aproximou,

e viu que o cadáver não tinha rosto

Seguiu-se o velório e depois o enterro;

na lápide sepulcral nenhum nome, data, nada;

apenas: aqui jaz um trabalhador,

isso basta quando se sabe de que lado se está