de gota d'água sendo tempestade, imensidão.

Não é a subida. Eu passei anos dizendo que o mais difícil era a subida e não é. É a descida. Não porque me lembra queda. Tá, talvez porque me lembre um pouco de queda. Mas não é só isso. É a espera árdua, a trilha cheia de terra, a vista linda do topo e depois pensar que vou ter que descer. Você não deve entender porque não deve ter visto o que vi. Lindo, lindo. Não é paraíso nem algo próximo. É a chama de algum cabelo ruivo, o esbarrão sem querer na vizinha, a hora de por gasolina no carro. Uma pausa e só. Era isso, o poder de controlar o tempo sem usar as mãos. Ver de perto o mar e ao mesmo tempo tão longe. Beijar o céu em um segundo e em dez ter ele nas costas. Carregar estrelas. Sentir o cheiro de chocolate quente pronto. Não, é o cheiro de flor. Raio. De gota d’água sendo tempestade. Imensidão. E a descida é a desilusão. Porque tira de mim o que acabei de ganhar. Como o frio na barriga de um elevador parado. O momento da perda. Não adianta dizer que é mais fácil descer porque não é. Eu sei bem o que é dizer que só respirei. Que só andei. Que só fiz coisas. Porque não é só isso e a descida me tira todas as palavras, quando eu nunca quis ser rainha do mundo me tornei a dama dos achados. Dizer eu te amo sendo que nunca amei. Entende? A descida é falar que Guns ‘N’ Roses é uma ótima banda e não saber que foram eles que disseram, numa música, que são jovens demais pra ter o coração quebrado. Nadar com capa de chuva. A inutilidade do cinto-de-segurança numa explosão. O solavanco forte, quase ardente, quase fogo, quase pele é um empurrão pra amnésia. Quando eu não sei mais o meu nome. Quando nada mais importa. De cima tudo é clarão, o trovão ainda não veio e só vejo o espetáculo roxo do relâmpago. Eu sou a vista vazia e cheia, calma e agitada, barulhenta e silenciosa. A fenda pequena entre loucura e eternidade. E nada mais importa. Não quando descer é mais fácil porque não é. Porque descer é dizer adeus e não ir. Ficar pra ver o estrago. De joelhos pedindo pro relógio mais uma chance. E mais quinhentos desejos pro gênio da lâmpada. E mais quinhentos, e mais quinhentos. Depois desperdiçar tudo e se arrepender. Descer é remorso, a culpa do que não aconteceu. O que poderia ter sido. As memórias falsas se retorcendo pra existir. Não me diga que subir é mais difícil porque não é. Porque se você o diz não sabe o que é perder o jogo justo quando o seu prêmio é a vista linda. O sorriso do olho, o furacão da boca, as nuvens fresquinhas.

A felicidade.

Beatriz Adrivin
Enviado por Beatriz Adrivin em 23/07/2012
Código do texto: T3792902
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