[A Impermanente Questão de Ser]
O problema é o verbo, sempre o verbo... ser!
Quando digo — "Eu sou" — apenas extravasei a minha arrogância, ninguém é... pois ninguém se sabe. Conhece-te a ti mesmo é o ditado mais estúpido já pronunciado...
Quando digo — "Tu és" — claramente, estou cometendo uma injustiça — como pode um miserável que apenas se sobrevoa, sem jamais pousar em si mesmo, arremessar contra o outro, um verbo assim, similar a um indicador em riste?
Quando digo — "Ele é" — estou simplesmente atacando uma pessoa que está entre "mim e ti" — muito provavelmente trata-se de uma maledicência, de uma calúnia!
Quando digo — "Nós somos" — se nada sei de ti, nada sei de mim, como posso, num lance verbal, colocarmo-nos no mesmo saco? Só posso estar dividindo alguma culpa... o que fizemos de errado?
Quando digo — "Vós sois" — estou apenas usando uma linguagem acusatória, em tom solene... deplorável atitude essa!
Quando digo — "Eles são" — estou ampliando a injustiça que cometi na segunda pessoa do verbo... eles... ora, quem são eles? Às vezes, uso a terceira do plural para ocultar a minha covardia de não nomeá-los... "eles"... quem são "eles", afinal? Se o medo me cala assim... “eles são...”
Para nos submetermos sem revolta idiota à efemeridade das coisas, das pessoas, e à impermanência do Ser, teríamos de abolir “ser” da relação, e de abolir a Acusação, o dedo em riste.
Afinal, não passamos de “um caniço pensante”, dobrável ao vento das circunstâncias!
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[Desterro, 21 de julho de 2012]