DAS TEMPESTADES INTERNAS
Quando estou demasiado sensível ao barulho, me finjo de surda: utilizo protetores auditivos. Então, fujo para um mundo mais silencioso, posso dormir, talvez sonhar; às vezes me transporto mentalmente para o alto de uma montanha, ou para uma pequena ilha no meio do oceano, ou para um grande deserto, só com as tempestades de areia, com as cobras e os escorpiões. Mas não há tempestades dentro de mim? Não há cobras e escorpiões ainda mais perigosos aqui mesmo, no nosso mundinho civilizado? Não há lacraias, e ratos, e lobos, e toda espécie de predadores, caçadores incessantes dos sonhos daqueles que não se enquadram no esquema do consumo desenfreado, os diferentes, os que ousam se desgarrar do rebanho da “civilização”, daqueles que não se conformam com o rumo que as coisas tomaram? Eu quereria mais os escorpiões do deserto, que caçam por instinto, não por maldade. Quereria os ratos e os lobos, que caçam espécies inferiores. Só o homem é predador de si mesmo.