No Terceiro Andar
E quem entende o que é solidão? Saudade é uma lacuna deixada por uma porta aberta em um coração que ama... Saudade é ter uma almofada na cama, tudo que te sobra como aconchego... Saudade é tristeza profunda...
Saudade é o princípio de infarto, é quase como a dor de um parto de um filho que não vai nascer... Saudade é entardecer, saudade é uma forma triste de morrer... É esperar durante anos o momento de felicidade compartilhada, entre beijos e abraços de alguém que faz nesse coração angustiado...
A saudade, meu bem, é o mais belo triste quadro pintado com lágrimas e sangue de quem fica, é a cor que escorre de uma alma sofrida... É olhar com os olhos de quem ficou, daquele que não é... É com o pincel de uma alegria doída, a alegria de quem ainda não foi, de quem ainda não está, de quem fica a espreita pelos muros atrás de um sorriso, seu sorriso grande e lindo...
A saudade é a loucura dividida com a lucidez, é a insanidade da esperança de ter alguém que não está... É a dúvida da certeza de que nada será como antes...
O que é essa dor tão dolorosa, tão marcante que assola o coração de quem ama? O que é essa dor pungente, quente, fria, tensa?
O que é amor sem dor?
O que seria liberdade sem a prisão eterna da responsabilidade?
O que é saudade?
O que é viver sem você?
É a agonia de o eterno esperar, é a angustia de estar perto, tão perto para esquecer e longe, tão longe para alcançar...
Vejo-te longe, caminhando na fumaça do meu cigarro, rindo dos meus devaneios, me chamando de boba, segurando minha mão... Isso acaba tudo em cinzas, levadas pelo vento forte que passou...
O que é o destino?
O destino é um menino travesso, que bagunçou as linhas da minha mão, que cruzou meu futuro ao seu, confundindo nossas vidas... Ainda não entendo porque ele te trouxe para tão perto e tão longe... O menino destino é incontrolável, perturbador, inconseqüente, cruel... Somente a sabedoria tem poder sobre ele... Nossas escolhas, nossas conseqüências, guiam o endemoniado menino Destino a traçar a vida dos mais desavisados, aqueles que não sabem respeitar a soberania do senhor Tempo... Há que se pagar o preço das nossas escolhas, nem sempre certas, mas sempre escolhas...
O que é a saudade?
É se jogar do terceiro andar no precipício de lembranças e angustias, saudades é fazer lançar a alma pela janela do infinito no olhar desesperado em um vidro de espelho quebrado, é estraçalhar o corpo na memória do abraço... Do seu abraço...
Saudade é apertar os lábios para sufocar o grito de desespero preso na garganta, é ficar com o coração aos prantos, é ficar no canto de um apartamento, no centro de uma grande cidade qualquer, ouvindo um rock qualquer no escuro da madrugada de um dia qualquer, olhando o infinito pela janela, procurando por alguém que simplesmente não está...
Saudade é o que escorre pelo canto dos olhos, é o grito sufocado de desespero, é a lágrima que não caiu... É aquela pequena grande porção de sentimento que nos escapa e que nos torna tão humanos, fatalmente humanos... Frágeis... É essa tristeza que colore o mundo em tons cinzentos, presente neste lugar de quem comemora as lembranças dos tempos que se foram e jamais retornarão...É isso que se faz presente quando você não está: as lembranças de um universo cor-de-rosa que me faz sobreviver ao nosso amor...
Saudade, querido, é congelar no verão, é derreter no inverno, é tatuar de preto a primavera, acinzentar o arco-íris, viver em natureza morta... É o paradoxo do existir, é estar vazio de si para se encher de outro... É plantar rosas no asfalto, é estar vazio, tão vazio de si... É a liberdade em condicional, estar aprisionado em um beijo, é sentir sem estar, é estar sentindo, é nem estar só por sentir... É o jeito certo de ser a pessoa errada, é se jogar de braços abertos no mais profundo abismo da janela acesa do terceiro andar, na madrugada fria e chuvosa de uma sexta-feira qualquer, de uma semana qualquer, dentre qualquer dia em que você não atendeu ao telefone... É chamar de morte o amor, é lutar para sobreviver aos desejos e caprichos da vida, é estar sem você... É ser sorrateiro, é madrugar...
É dirigir a 200 km/h na contramão e não sair do lugar... É sentir o mundo girar e girar e girar sem nem ao menos levantar do sofá...é pensar vazio, pensar em nada...
É a forma mais vibrante de dor, é a dor mais aguda do ser, é alimentar-se de migalhas do que se pode chamar de mais negro amor...
É apenas pensar e pensar e pensar... É a forma mais prazerosa de ser humano... É o jeito mais certo de enlouquecer, é a dor mais aguda do existir, é alimentar-se de migalhas do que um dia você foi... É não restar nada; é não ter definição...
Lembranças do que eu era presa em memórias do que um dia eu fui... Memórias perdidas de mim, em um canto escuro de um quarto, num apartamento no terceiro andar...
Isso é um grande pedaço de mim, sem definição... Isso é você... São memórias perdidas de mim, em um canto escuro, num espaço vazio, em um quarto qualquer, ouvindo um rock qualquer, com um vinho barato qualquer, em um prédio no centro de um universo qualquer... Em uma porcaria de lugar qualquer, que é qualquer porque é onde você não está... Neste coração perdido em um canto frio, em um quarto no terceiro andar...