A Copa do Mundo

Diálogo em uma Praça, B. Piraí, RJ - 1986.

- Boa tarde, meu bom senhor,

dê-me licença para sentar neste banco.

* Pois não, moço, faço uso do jornal

que estas vistas curtas pouco lêem

e, aliás até da sombra desta árvore centenária.

- Como se chama, bom amigo?

* José das tantas, meu nome é que é comprido.

Mal me visto nestas botas,

parece que o tempo encolhe a gente...

- O tempo está bonito, é bom curtir esta brisa no corpo, não achas?

* Bem moço, antigamente bem lá pros idos

do Império, "curtir" era o couro, e como era duro...

Ah, como muda a linguagem dos jovens.

- E a seleção do Telê, o que achou?

* Tenho saudade do Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Garrincha, Pelé e tantos outros...

Mas, moço, repare bem, tudo tem sua época,

já chutei muito lata e bola de pano e o sonho

naquele tempo era ser craque na pelota e vestir a canarinho, né mesmo?

- É verdade, ainda é o sonho acalentado por muitos meninos.

Bem, não peguei esta fase toda, mas sinto o mesmo que o senhor.

Se me permite fazer uma pergunta...

* Claro, já imagino o que vai me perguntar.

Qual a minha idade, né?

- Sim, desculpe-me.

* Por nada, olhe para estes olhos com catarata e estas mãos calejadas, dá pra imaginar?

- Teria dificuldade em fazer uma estimativa.

* Não precisa moço, tenho 92 anos e vivo por aqui nesta praça, me fazem companhia os pássaros e os passantes.

AjAraújo, o poeta humanista, escrito em 1986.