Como não Amar Pelotas?!...
Pelotas completou Duzentos Anos, em meio a grandes solenidades, dia 07 de julho de 2012.
Há cerca de um mês, o Maestro João Carlos Gottinari ensaiou com o Coral Eunice Lamego, da Catedral Anglicana do Redentor em Pelotas - a Igreja “coberta pela Capa Verde da Esperança” - nas palavras ternas e poéticas da escritora Pelotense Zênia da Léon, o Belíssimo Hino a Pelotas. Faço parte do Coral e comecei, timidamente, a aprendê-lo. Quando cantei a segunda estrofe do Hino, meu corpo estremeceu, minh’alma foi inundada de Luz e lágrimas, quais diamantes, desceram pelo meu rosto...
Diz a Letra:
“... Meus avós te souberam amar,
Com orgulho, carinho e respeito
E, ao morrer, me fizeram herdar
Esse amor que mantenho no peito...”
Embargou-me a voz. Olhando o Maestro, para seguir a Regência, percebi que o mesmo estava visivelmente emocionado; os membros do Coral estavam, instintivamente, todos em posição de respeito, e muitos, com os olhos marejados de lágrimas... As lembranças de minha infância acorreram: meus pais eram daqui de Pelotas e aqui casaram, tendo ido logo após o casamento para Bagé e lá ficando radicados.
Aqui estão minhas raízes: meu avô paterno, português, veio para cá aos quinze anos de idade e aqui ficou toda sua vida; minha avó materna, Pelotense; meus avós maternos Pelotenses. E meus pais tiveram aqui seu nascimento.
Meu pai, Reverendo da Igreja Anglicana, durante 50 anos foi Pároco da Matriz do Crucificado, em Bagé – fato inusitado – pois normalmente os Clérigos ficam alguns anos em uma Paróquia e depois são transferidos para outra, em outra cidade. Meu pai, entretanto, toda vez que deveria ser transferido, unia-se a Congregação e impedia até mesmo a menor intenção dos Bispos de o removerem de Bagé. E assim, ficou lá até ser chamado para o Oriente Eterno... Durante seus cinqüenta anos de pastorado, tirou 15 dias de férias apenas duas vezes, nos verões de 1942 e 1954 (pois ficava preocupado com seu Rebanho: “Se alguém precisar de conselho? Se alguém aparecer e quiser casar nesta época? Se alguém, adoecer, quem vai acompanhá-lo no Hospital?” Sim, porque quando alguém adoecia, meu pai e minha mãe se encarregavam de acompanhar e cuidar os doentes, atenderem seus filhos se fosse necessário, liderar campanhas para angariar remédios, alimentos ou vestuário. Por estas e outras razões meus pais eram tão amados... Afinal, um Pastor que não se dedica ao seu Rebanho não é pastor...) E a Paróquia do Crucificado, sob seu Pastorado, foi considerada a maior Paróquia da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, tanto em Numero de Membros como em Pontos Missionários e Obras Assistenciais.
Minha mãe, pianista e Regente do Coral da Igreja em Bagé, com sua voz suave de Acalanto, muitas vezes cantara o Hino de Pelotas para me fazer adormecer... Cantava em ritmo mais lento, como canção de ninar, mas o cantava! Seria uma premonição de que um dia eu viria para cá?... Seria uma forma de demonstrar o amor e a saudade que sentia por sua cidade natal?... Seria uma forma de evidenciar e inculcar em mim o sentimento profundo que nutria por sua terra? Não sei...
Meu pai recebeu o título de Cidadão Bageense. Mas ele era Pelotense de nascimento e coração, embora dedicasse toda a sua vida a Bagé. E quando mamãe cantava, ele se emocionava... Era “Gato-Pelado”* com orgulho, contava-me as histórias da Escola, as Lutas da Maçonaria pela criação da Escola e Faculdades, descrevia-me o Centro Histórico, as ruas estreitas, os doces “únicos” da sua amada Cidade... Minha mãe, aluna e Professora do Colégio Santa Margarida, contava-me as Histórias do Colégio tão querido, da rígida disciplina, mas também da Espiritualidade: “Domino Dirigenos”**, o lema da Escola; a educação refinada e adiantada em muitos assuntos sob a égide dos moldes da Educação Americana. E assim cresci, aprendendo a amar Pelotas...
Com oito anos vim aqui pela vez primeira. Depois disso, vinha sempre que as férias e o dinheiro o permitiam e visitava meus tios e primos. Amei Pelotas! Amei em Pelotas! Adotei esta Terra também como minha...
Em 2001, meu pai, na CTI do Hospital onde logo faleceu, entre o conforto que me transmitia com sua certeza e Fé Inabalável de que a Vida continua, e a morte é apenas “uma passagem”, me disse: “Minha filha, me promete uma coisa: depois que eu me for, vai para Pelotas!...” E eu assim fiz...
Cheguei aqui sem conhecer quase ninguém. Meus parentes de infância já não mais existiam em sua maioria. Fui acolhida pelos Episcopais Anglicanos como parte da Família! Pelos Professores do Mestrado e Doutorado da UFPel, onde logo ingressei, fui tratada mais como amiga do que mesmo como aluna. Fiz amizades e criei laços fraternos que me fizeram sentir parte de uma grande família, a Família que vibra por esta Histórica Cidade, e que torce para que tudo dê certo, para que Pelotas tenha todo o brilho cultural no cenário brasileiro que possuiu antanho acrescida do desenvolvimento Tecnológico e o Progresso decorrente da Pós-Modernidade. Mas conservando sua Poesia... E despertando esse amor familiar tão bem cantado no Hino da Cidade, nas poéticas palavras de Hypólito Lucena (por sinal também autor da Letra do Hino de Bagé!) e que emocionou todos no Ensaio do Coral.
Quando o Hino de Pelotas foi tocado pelas crianças do Projeto Amar e pela Orquestra Anglicana de Pelotas e entoado pelo nosso Coral no “Catedral em Canto”, sem a necessidade de que houvesse qualquer solicitação, ao ser anunciado na Abertura da Programação, todos ficaram de pé, em posição de respeito e dedicado amor a esta cidade querida... Olhos emocionados encheram-se de lágrimas...
Como não amar Pelotas?!...
Seus velhos casarões (tão bem descritos e valorizados por Zênia de Léon!) cheios de Histórias de Amor e de segredos sussurrados?!... Suas antigas Praças e seus belíssimos monumentos?!... O Theatro Guarany, onde meus avós possuíam um “camarote cativo”?!... O Mercado Público com sua beleza arquitetônica ímpar?!... A Caixa d’Água, obra de rara beleza?!... A Histórica “Praça dos Enforcados” com suas lendas e histórias de amor não correspondido?! A mistura de etnias que tornaram Pelotas tão rica cultural e socialmente?!... A Igreja coberta pelo verde, que muda conforme as estações do ano, numa demonstração visível e perene do Ciclo da Vida?!... A Música, cultivada em seus diversos Corais?! A Catedral S. Francisco de Paula e suas pinturas que encantam?!... As crianças de o Projeto Amar que fazem milagrosamente Música sacra, popular e erudita, com suas pequeninas mãos e seus olhinhos brilhantes ante a Regência alegre e sorridente do incansável Maestro Gottinari (que, como Moisés fendendo a rocha e dela fazendo brotar água pura e límpida) tira sons perfeitos de crianças e jovens que nunca haviam conhecido uma pauta musical?!... Pelotas, terra de tanta diversidade e tanta riqueza juntas... Cidade de tantas e tão ricas recordações da minha juventude, onde realizava meus passeios, embevecida, de mãos dadas com meu namorado pela Praça Coronel Pedro Osório, ele, o primeiro Amor da minha vida?!...
Como não Amar Pelotas?!...
Agradeço aos meus pais que me ensinaram a amar esta cidade! E, em aqui voltando, já em plena maturidade, e fixando aqui meu domicílio, reconhecer o quanto desperta amores esta bela Princesa que está há completar 200 anos!
Por tantas razões, sempre brotarão lágrimas de emoção, como rios de prata escorrendo em meu rosto, quando entoar o Hino da Cidade Princesa:
“... Hei de sempre Pelotas te amar
E trazer-te na minha memória
Aprendi no teu seio a chorar
E a sorrir nos momentos de Glória!
Meus avós te souberam amar
Com orgulho, carinho e respeito
E, ao morrer, me fizeram herdar
Esse Amor que conservo no peito!...”
E tenho certeza de que todos os que aqui chegam hão de amar Pelotas, esta Princesa Encantada e Faceira, que abrilhanta de modo ímpar estas plagas do Sul...
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* "Gatos Pelados" era a forma que os alunos do Colégio Gonzaga (Tradicional Escola Católica, para os filhos das classes abastadas de Pelotas) denominavam os alumos do Colégio Pelotense, criado e mantido pela Maçonaria até sua Municipalização, como uma alternativa de Escola para as crianças e adolescentes não-católicos (pois estes, na primeira metade do século XX eram obrigados a assistir as Missas, sem o que não receberiam jamais as notas máximas).
** "Dirige-nos, Senhor!" - Lema do Colégio Anglicano Santa Margarida, fundado em Pelotas também na metade do Século XX e que abrigava as meninas e moças não Católicas. (As de Famílias Católicas iam para o Colégio São José). Também a obrigatoriedade à assistência e frequências às Missas propiciou a criação deste Colégio, que contou também com o apoio inconteste da Maçonaria.
Nota: Até o Concílio Vaticano II havia rivalidade e até mesmo hostilidade entre Católicos e não-Católicos, entre Católicos e integrantes das Lojas Maçônicas.