ROMANCE DO FIM PRÓXIMO

Envolto no silêncio de uma tarde em que a percepção da morte ronda por dentro, destroçando o melhor em mim, e o sol espreita – verdadeira luz divina – volto o coração tristonho para a cama onde se fina aos poucos a mãe de tantos anos. Não uma diva de berço, e sim a mulher de sois e chuvas, que batia a roupa ao frio das invernias e pilotava tanque e fogão, nunca deixando o frio e a fome roçar a pele e as entranhas de seus oito filhos. Depois os netos e bisnetos, viúva de tantos sacrifícios, bailava sobre a trilha dos dias como uma menina sapeca cantando os silêncios de se saber envelhecendo... Agora, na triste quadra dos finais, a voz lhe some na palavra e nos gestos. Eis que ouço a sua voz perpétua me chamando à mesa para a ceia dos aflitos. Ave Maria! Imagino a tua voz por Cristo ressuscitado... E me conforto entre a dor do que se perde e a iminência egoísta de não te saber mais no doer dos dias... Um cravo nas mãos de prenunciadas perdas, tão presente na solitude de saber-se sozinho, sem o dedo em riste que apontou o caminho e transita para a outra margem. Dá a tua mão ao Pai de todos, Terezinha de Jesus, enquanto aguardo a minha vez. E se debulha em mim a ilusão de que somente somos permanentes na dimensão do que vive para sempre...

– Do livro QUINTAIS DO MISTÉRIO, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/3767005