Devaneios
Eu sou um homem. Eu sou Deus.
Eu sou feito de duas metades.
Não as metades clássicas: uma boa e uma má.
Não Yin e Yang.
Uma um tanto boa, um tanto má; a outra, neutra.
Uma parte deseja, obtém sucesso,
Perde as esperanças e se desespera.
Outra parte não tem apetites.
Uma parte procura se instruir,
Aprender e esquecer.
Outra parte tudo conhece
e nada sabe.
Uma parte cultua o corpo, o
Sustenta e o brutaliza.
Outra parte aprecia a
funcionalidade de seu invólucro.
Uma parte sonha, se maravilha
E mergulha em depressão.
Outra parte apieda-se com os sonhos
da primeira, e indiferencia-se de
sua melancolia.
Uma parte ajuda e agride,
Salva e assassina.
Outra parte observa a constante
relação entre vida e morte.
Uma parte ama em silêncio
E se digladia em duelos de honra.
Outra parte reflete sobre a
fugacidade do amor e a
irracionalidade da violência.
Uma parte quer ser feliz, e se dispõe
Ao suicídio caso não alcance seu objetivo.
Outra parte nada quer ser, apenas é.
Uma parte é uma das incontáveis atrizes
Que se sucedem no palco da existência,
Cada uma com seu respectivo papel,
Indispensável para o sucesso do espetáculo.
A outra parte é sua paciente platéia.
Uma parte escreve este texto, se orgulha
Com elogios e se preocupa com as críticas.
Outra parte se contenta em
expressar o que sente.