O NASCIMENTO DE LAURINDO
O NASCIMENTO DE LAURINDO
{{((texto extraído do livro:
OS FILHOS DA TERRA do autor
SÍLVIO DO ROSÁRIO CURADO FLEURY;
páginas 24 e 25.))}}
Era uma carícia a tepidez da manhã, femininamente louçã.
As seriemas, nas chapadas, gargalhavam metálicas, como loucas;
passavam as curicacas, emparelhadas, grasnando, roucas.
Um tucano sarapintado, lá na imbaúba, encarapitado,
tatalava o bico enorme e, depois, modorrava.
No quintal, onde ninguém vigiava, as curicas silenciosas, quietas, alertas,
muito conscientes da sua má ação, comiam, gulosas, as laranjas verdolengas;
de vez em vez uma erguia a cabeça coroada de amarelo vivo,
perscrutava ao redor, e desferia um grito interrogativo.
Os gauxos gritavam, frenéticos e ruidosos,
e pulavam de fruta em fruta gulosos.
Os quero-queros, alvoraçados, alertavam no largo de frente ao casebre.
Os pinhéns, aos bandos, piavam tristonhos,
melancólicos, arrepiados, como se fosse de febre.
Uma vaca – a Briosa – catava uns talos verdes ao lado dos embiruçus copados.
E um touro estático fio do lombo recurvado, cauda inteiriçada,
a cabeça possante para o lado inclinada,
grotescamente apático, deixava que um anu, aos saltos, lhe catasse os carrapatos.
Foi na placidez dessa manhã que, do casebre solitário,
lá no agreste sertão erguido, fugiu, autoritário,
o grito de um recém-nascido e varou, festivo
impertinente e vivo, os ouvidos, ao redor.
Responderam, vigilantes, os quero-queros, em escarcéu.
Bandos de periquitos-mamoeiros desenharam uma nuvem verde, no azul do céu.
O tucano empertigou-se, num salto, e mergulhou, tardo, rumo a vereda.
As curicacas, caladas, voaram mais alto.
Emudeceram-se os sanhaços.
Silenciaram-se os gauxos.
E as curicacas fugiram, cautelosas, papagueando, papagueando,
como se pragas estivessem rogando.
A Briosa parou de pastar e levantou a cabeça lentamente.
Gotas de orvalho luziam-lhe no focinho...
Olhou para o curral, amorosamente, e berrou.
(Foi que suas crias se lembrou todas elas loucas para berrar)
A voz do garoto tinha um tom de aboio
e o timbre autoritário de voz de vaqueiro,
a tonalidade metálica do grito do boiadeiro.
O marruá tomou um ar de desafio;
correu-lhe, pelo dorso, um arrepio.
(O anu fugiu assustado)
Baixou os chifres acerados e enterrou-os, de golpe, em um cupim:
saíram vermelhos, como ensanguentados.
Do fundo do peito arrancou um tremendo esturro;
com as patas pesadas escavou o chão e fez levantar o pó. E deu novo urro...
O grito da criança varava pelo chapadão...
O touro, lento, foi se afastando, derruindo,
raivo, os cupins avermelhados,
ás vezes, no chão escavando e, de vermelho-ocre,
o gigantesco dorso manchado,
e se embrenhou no cerrado, enraivecido, com esturros de desafio
e de ferocidade; aos passos ritmados caia-lhe a gibosidade,
para cá e para lá; tinha, nas pupilas uma fosforescência má.
Na amplidão das chapadas, quase alucinadas,
as seriemas, continuavam a gargalhar.
E muito alto, pontilhando o azul, os urubus, em remígios,
saudavam, da seca, os primeiros vestígios.
LAURINDO, assim chamaram a criança.
Era o nome que trazia:
e do santo do dia.
A avó aprovou:
Laurindo, nome que inspira confiança.