Tédio
Se vivo, não é através de mim como dos tantos outros eus ocultos que me apetecem. E o tédio mancha e prevalece nas paredes, uma vez vistas, todas tão monocromáticas, como espelhos sem o status quo das faustosas leis da ótica. Tudo é estética, e o meu apreço pelo belo é o mesmo desprezo de quaisquer vícios que emergem do fundo de mim, quando ao/no fundo me cinzelo, silhueta iluminada do que crêem que sou, e não das sombras que tanto me convêm, dentro dessa infindável descrença que me assalta. Não sou, nem me vejo em condições de querer ser, nada – o segredo de entender-me na pura perda de vontade de alçar-se a compreensão do que seria, se fosse não só existente espectadora: ilógica e mais verdadeiramente infeliz quando realizo que em sonhos de descompreendo livremente, e que tudo não passa de sonhos de viver, sempre dormindo acordada, daí então, que eu abrace esse enfado benevolente e aterrador, enquanto o crime de agir me tenta e acomete, e que peça perdão pelas inefáveis rupturas, rasgos na maciça inutilidade que aborta as minhas más idéias. Tenho tudo em mim, salvo identidade, e definições me parecem fascinantemente distantes e corrosivas. Tenho tudo para convergir num caótico nada – amo na ausência de saber como amar, uma negação a qualquer coisa que se faça presente demais, e penso então que não sinto, pois penso em demasia. Mas imagino, e escolho minhas realidades para o dia. Chovem absurdos e água, com mais sentido que nunca, e, sempre volúvel em sua fixação, a paisagem é senão reflexo frio de um horizonte que emoldura o conteúdo que eu desperdiço, viajando em meios imateriais, e sem lar que se enquadre nessas três dimensões, imensamente limitadas. Tudo de mim e do mundo guardado em filmes holográficos nas bordas do universo. O complexo do relojoeiro à parte, saber demais do tempo, e dele não esquecer.
Entediada, eu o assisto passar...