:: O OCEANO::

Como o mar pode ser tão inspirador? Tão somente o simples balanço ou sons mais superficiais de suas cálidas águas é como um ritmo embriagador que realça os apetites da alma, disfarça os males, mergulha no perene da existência... Ah, como o mar é prolixo, só nele me encontro na complexidade e imensidão do que sou, meu ser sossega um nono do que poderia ser, o terço desata e debulha de contas infindas...

Ah, como o mar é triste... tantas já versaram acerca de ti e Netuno sempre abençoou... Tantos outros se divertem sobre a praia de tua areia quente e tu ainda traiçoeiro leva de alguns para zombar no teu íntimo, por descuido, por capricho, por uma única e derradeira vez... Nisso o oceano se assemelha a uma paixão vivida, que de uma estocada não defenestra aos poucos e segue impiedosa, transcendental...

Ah, se o mar assim falasse, ou sobre mim ele enfim versasse, revolveria todas as mágoas que dele sinto, devolvendo à popa do pitoresco chão.

Ah, tua profundidade é sagrada, é santa, digna de louvor, fonte de todos os abismos que recalco no peito, de cada amor pífio que vivemos e da busca insana da felicidade que já soía.

Ah, se o mar fosse eclíptico, aquele ramalhete que outrora preparei, seria entregue como a minha verdade, Deus sabe da minha verdade, quer digam todos os ateus do mundo que não... Pai, perdoe o que digo, mas preciso reviver o mar, a constância que nunca obtive que nele me espelho, a eternidade dele que jamais me vingará, a vida incontida e submersa que nele renasce constantemente e que de mim apenas se esvai e transfere-se ao texto de minha pena.

Ah, o mar é o meu santuário, abençoado e digno, somente nas faces do sul mostrar-se-ia rutilante a mim, e é nesse balanço que choro, que grito, que recordo... na mais alta das contradições, viril e astuto como sempre sonhei, em que talvez os corpos nefastos devessem mesmo descansar... E essa prosa que teima em ser assim, não cala e nem aviva o que do cetro conquistei.

Olha, vede o mar... sente o senhor que habita ali, o poder de mastro e sopro, encerrado em jarro e leito, com a dependência dos olhos que o veem. Vigiai a noite na sombra eterna que o tece, a aurora pequena nos será menos fria e mais fonte do que a propuseram... segue teu rumo marejado de escárnios, indiferente como sempre foste, ó insensível dos tempos, já que teu pulsante é granito e tua razão é o ontem...

22-06-12.